Portugal
não cabe hoje no mini-rectângulo do seu berço nativo, nem mesmo no mar imenso que o liga às ilhas-filhas. “Ganhou
tudo o que havia para ganhar”. Desde os neurónios da cabeça até à planta dos pés! Tudo fervilha e
canta e pula, como se esta meia ‘jangada de pedra’ levantasse o voo triunfal
de outras eras. Este 13 de Maio, bem poderiam
inscrevê-lo ao lado do Dia de Portugal, geminados os dois pela coroa de louros
destinada aos heróis, alcandorados ao olimpo dos deuses.
Esperei
até ao dobrar da noite para lançar-me, livre e triunfante, na asa branca desta
página. E, de repente, acho inútil perder tempo e tinta perante o magnífico
triplo salto que nos foi dado observar na pista transatlântica que é o nosso
país. Venha a voz macia e quente do nosso Francisco José e cante, “baixinho” não, mas a plenos pulmões ao som da guitarra: “Esta
noite ninguém dorme”. Na realidade, corpo e alma erguem-se hoje na trilogia do
transcendente que define a condição
humana: a espiritualidade, o vigor atlético e o amor “pelos dois”, por mil, por milhões. A partir
do traço-equador de Portugal, viveu-se a mensagem intimista do espírito,
através do líder sócio-religioso na Cova da Iria. Descendo à “capital do
Império”, um novo Tejo, vestido de rubro
ardente, desaguava em delta aos pés do Marquês do Pombal. Era o tetra. E mais longe, noutro meridiano europeu, Kiev
erguia o coração exaltante de Portugal numa canção onde cabiam os corações do
mundo inteiro.
Dito
isto, o que mais me tocou nesta euforia estonteante
foi o
afã incondicional, irresistível, roçando o irracional, com que nós e os
outros – o vulgo – enquanto espectadores ou co-partilhantes, vivemos cada um destes
acontecimentos. Tão díspares, na sua análise epistemológica, mas tão iguais e
coincidentes nos efeitos e reacções! Seria preciso abordar um investigador
neurologista ou sócio-psicanalista para desvendar o enigma. Desde logo, a
começar pelas motivações: quer em Fátima, quer no Marquês ou na Luz, as motivações
individuais enfeixam-se no mesmo tronco: a fé, a crença, o afecto. Se lá em
cima eram a religião e o amor que empolgavam os ânimos, cá em baixo, ouvia-se
escancaradamente: “O Benfica é a minha família, o amor da minha vida”, ou,
repetindo o mais famoso de todos, Artur Semedo, “o Benfica é a minha religião”.
De um lado, uma imagem tutelar e um líder galvanizador; do outro, uma estátua inamovível tutelando o
cobiçado troféu e um condutor de homens atléticos que os levou ao clímax, sósia
de si mesmo, Vitória. Depois, é a multidão, o frenesim contagiante e sempre o mesmo balbuciar de espasmo: ”Não há
palavras”… A mesma equação estava na
ribalta de Kiev: o Troféu do Eurofestival, o palco do artista, os iluminados
julgadores-votantes e milhares, milhões de corações aos saltos.
Salvaguardando,
como disse, a escala de valores, a questão que se impõe é esta: “Qual dos fãs
amará mais? E a qual dos três ‘santuários’ prestará culto maior? E onde o sensímetro para
quantificar a lealdade ou a energia dos ânimos?
É
neste banco raso que me coloco, serenamente, para tentar penetrar nos labirintos
do psiquismo humano, sem sectarismos de espécie alguma, procurando entender o
individual intimista, conectado com o fragor das multidões. É que a multidão,
como é sabido, não é apenas a soma parcelar das partes. É outra entidade e
ultrapassa a singularidade empírica do indivíduo.
Mas,
afinal, onde me fui eu meter?!... No entanto, é algo que me motiva e me
arrasta: mergulhar na profundeza do nosso composto psicossomático. Fica para o
silêncio do meu quarto. Porque hoje é
Festa, garbosamente tricolor: a brancura do Papa do Povo, o vermelho do Benfica
e o negro-espiritual do Salvador Sobral. Venha cá o Fernando Pessoa e emende, não diga mais: “Portugal, hoje és nevoeiro”.
Não, que é dia de cantar: “Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal”!
13.Mai.17
Martins Júnior
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