Hoje
compartilho convosco a terra.
Terra
chamada Machico. E terra-génese da vida, inspiração telúrica, emanação do
espírito.
Imprevistamente,
na linha meridiana do 21 de Maio – eram doze as badaladas no “sino coração da gente - o centro da cidade
transfigurou-se. Por conta própria. Geração espontânea de um punhado de jovens que
inundou a sala de visitas da primeira capitania da ilha com o universo musical
e espiritual de José Afonso. Foi o grupo denominado “Moodin”, da Banda Filarmónica concelhia.
Desfilaram diante da varanda dos nossos olhos e da nossa sensibilidade as
baladas mais expressivas do cantor de Abril. Os metais, as teclas e as
guitarras entrelaçaram-se num feixe inebriante, segurado por uma percussão
meticulosamente estruturada. Zeca Afonso
teria ficado extasiado, ao ouvir a variegada riqueza harmónica que as suas
melodias suscitaram, numa simbiose de êxtase, por vezes alucinante, de todo o
instrumental, composto por dezena e meia de artistas exímios. Os arranjos, o
virtuosismo à mistura com o crescendo de um clímax a que a técnica do jazz
conferia maior vibração remexeram e prenderam todos quantos ali estávamos num
abraço comum. Por mais paradoxal que pareça, dois qualificativos exprimem o
acontecimento: intimista e apoteótico na sua concepção, execução e
interpretação.
Devo
manifestar, no entanto, a minha estupefacção por este brinde que o grupo nos ofereceu. Mas por um outro motivo. É que tudo nasceu da livre espontaneidade dos
executantes. Foi o mesmo corpo numa alma nova. Explico-me. Normalmente, a
evocação de José Afonso está consignada a associações público-privadas ou a
formações de tendência progressista já catalogadas e firmadas ao longo dos
anos. Desta vez, foi Zeca Afonso, “não
rouxinol na prisão, mas pardal na rua”, como bem poderia dizer António Aleixo. Sem
paternidade segregada nem ‘sponsors’ da praça oficial. Não levarão a mal os
músicos participantes se disser que ali foi José Afonso, irmanado com os filhos
do povo, José Afonso “andarilho, nascido
do maio, maduro maio”, como ele tanto
gostava de cantar. Mais convicto fiquei quando o director da Banda Municipal,
Manuel Spínola, informou que alguns deles, universitários das faculdades em
Portugal Continental, deslocaram-se propositadamente à sua terra para nos
trazer esta dádiva tão surpreendente.
Por
isso que comecei esta crónica de circunstância com a exaltação da terra,
inspiração telúrica, emanação do espírito. Numa altura de tradições insulares
do Espírito, ouso dizer que este momento único, vivido no Passeio Público da
Cidade, foi a ressurreição do espírito da Liberdade, a emanação de José Afonso
no meio do povo de Machico para quem ele
cantou, em 1976, abraçado à estátua de Tristão Vaz Teixeira – a mais sólida
testemunha da sua presença nesta terra.
A
primorosa apresentação da Dra. Benvinda Ladeira e as justas homenagens de
Ricardo Franco, autarca presidente, aos
intérpretes pioneiros deste evento autenticaram com a sua presença este, para
nós, histórico concerto. José Afonso deitou em Machico raízes fundas que hoje produzem
flores e frutos de primavera. Bem Hajam!
21.Mai.17
Martins Júnior
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