O
ferrete em brasa que desde ontem trespassa
o coração da humanidade, mesmo o mais empedernido, não me deixa quieto - nem quem
me acompanha nesta rede – para escrutinar a hecatombe silenciosa onde morrem
diariamente milhões de vítimas inocentes,
não apenas as crianças de Manchester, mas os caminhantes da vida, em tudo
quanto é sítio. Quanto à guerrilha urbana pouco poderia acrescentar aos
comentários, lamentações e protestos já conhecidos. Que hedionda sorte que nos coube, a de entrar no século XXI
com a morte metida no bolso, na mala de viagem, debaixo da nossa cadeira de
espectadores comuns! Voltámos à barbárie, impotentes e a perguntar-nos
baixinho: qual é o comboio ou avião, a rua ou o estádio que se seguem?...
A
outra guerra a que me refiro – essa, silenciosa, sofisticada, que passa como
enguia sob os nossos pés e que, tantas vezes, deixamos passar impune – tem outro
nome: corrupção. Alertaram-me mais impressivamente para o facto os últimos acontecimentos
ocorridos no Brasil de Michel Temer e todo aquele ‘nó de víboras’ (diria
François Mauriac) em que se enrola e desenrola a política brasileira. Não sei
se lhe chame tragicomédia, charada herói-cómica, sendo-lhe mais adequada a
fétida cloaca onde nadam, fermentam e se reproduzem os mais abjectos
monstros-parasitas das sociedades. Intragável assistir-se, ‘impávido e sereno’,
aos gritos ululantes dos parlamentares,
capitaneados por Eduardo Cunha e Michel
Temer, para condenar Dilma Rousseff sob
a acusação de envolvimento no caso “Lava Jato”. Daí a meses, dias, “vai de cano”
o grande inquisidor Eduardo, liminarmente preso pelo mesmo crime: Operação Lava
Jato”. E é agora a eminência engomada, Temer de seu apelido e sempre de dedo em
riste, que é acusado pelo mesmíssimo crime! Quem suporta esta diarreia sucessória de
bichos engravatados, ao mais alto nível?!... Parece que o povo brasileiro começa
a acordar da embriaguez colectiva de sonhar apenas com a cabana, bananeira, ,
cachorro e violão do samba.
Não deixa de ser sintomática a coincidência de
que toda aquela faixa da América Latina enferma da mesma síndrome: a venalidade
e a corrupção a céu-aberto. Espantou-me,
numa visita de estudo em que participei na cidade de Caracas (era o ano 2000,
da transição do regime Rafael Caldera para Hugo Chaves) ouvir da boca de um
madeirense bem posicionado na capital: “Aqui é assim, todo o sujeito que vai
para ministro e não sai cheio e podre de rico não é considerado ministro nenhum”.
E no México…e no Chile…até na Argentina da progressista Cristina Krichner, também julgada por corrupção.
Da
América Latina, passaríamos à Espanha contemporânea, em que a direita “cristianíssima”
de Rajoy – com a família Bárcenas na dianteira, além de outras figuras graúdas
do PP - tem sido arrastada aos tribunais
e condenada a penas severas. E em Portugal, o sacratíssimo nome do “Espírito
Santo” e outros edificantes empresários, membros da ‘Opus Dei’, que descaro proxeneta lhes
tem corrido nas veias! Para terminar, ancoramos no Vaticano, aquele do Banco
Ambrosiano (das esmolas dos pobres cristãos contribuintes) ou do IOR (Instituto
das Obras Religiosas) também metido beatificamente numa tenebrosa teia de
lavagem de dinheiro, agora sob a alçada da justiça italiana.
Este
alinhamento monocolor, sob o ponto de vista religioso, tem a ver com a
apreciação crítica de certos sociólogos e economistas que atribuem à educação
teológico-moral (falsa teologia e falsa moral) que os europeus colonizadores levaram para
outros continentes, em cuja “catequese” apregoavam os brandos costumes e o
perdão que Deus misericordiosamente outorga por via da confissão dos pecados. Será,
não será?... O certo é que o mesmo paradigma não fez carreira nos países de
origem anglo-saxónica.
Muito
mais poderia juntar neste vasto campo de investigação. No entanto, o mais deplorável aconteceu quando
a (in)justiça dos humanos legisladores inventou um altar sagrado onde armazenar intocavelmente as fortunas clandestinas, porque nascidas do
ventre da podridão, dinheiro sujo das armas, drogas, prostituição e quejandos.
Legalizar o crime, a fuga aos impostos, a especulação, no antro dos offshores e
praças financeiras similares! Eles aí andam, bombistas à solta, sugando o
sangue dos jovens, crianças, idosos, matando num silêncio sádico tantos
inocentes. Legalmente!!!!!
Sem
levar ao cúmulo esta angústia, que não é só minha, mas de todo o cidadão
honesto, é caso para perguntar: Se a uns
é lícito roubar e destruir legalmente o direito à felicidade, por que não nos será
permitido – dizem os marginais - fazer o mesmo, pelos meios que eles consideram
ilegais e ilícitos?...
Depende
de cada de nós estarmos atentos ao
destino dos orçamentos locais, municipais, regionais, nacionais e europeus.
Porque são nossos. Para que haja higiene nas relações humanas e para que o tal ministro
de nome desconchavado, o holandês Jeroen Dijsselbloem, retire o que disse
acerca dos povos do sul. Acerca de nós, portugueses.
Nesta
guerra de terrorismo capitalista sub-reptício, ainda podemos intervir. Com as
armas da razão crítica, esclarecida, legal e vigilante.
23.Mai.17
Martins Júnior
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