Hoje arrisco-me a apanhar
umas valentes bordoadas electrónicas, na mesma linha de correio por onde
escrevo este arrazoado de circunstância. Porque, propositadamente, escrevo na
hora em que por tudo quanto é sangue
português corre açodadamente a ‘luta´ entre
a capital do Império e o berço que lhe deu o ser. Mais claro, escrevo enquanto
oiço à distância o cachão frenético dos
que assistem, via TV, o desafio entre o Benfica de Lisboa e o Vitória da
cidade-mãe da nacionalidade, Guimarães.
Lá se vai todo o encanto
que tinha reservado para este fim-de-semana. Hoje mando a poesia às urtigas e
destoo militantemente da euforia que por aí anda desenfreada. Acentuo: hoje cresceu uma força maior dentro de mim para
cumprir o que, de há muito tempo, já tinha decidido: desligar o televisor
quando e sempre que traz à rua e polui o
quarto o que ao futebol diz respeito.
Sejam os jogos, os comentários, os ‘doutos
paineleiros’, alguns até derrotados nas lides políticas, que se sentam em mesas redondas para moer e
remoer o rectângulo de que se alimentam. Passei a detestar liminarmente.
Perguntarão o motivo desta decidida pulsão contra a
absoluta monarquia do ‘desporto-rei’, assim cognominado pelo vulgo vassalo.
Acusar-me-ão de anti-futebolista primário- Mas dali não saio desde que os
noticiários arvoraram em tresloucadas parangonas o enunciado no título: 222!
Isso mesmo: venderam duas pernas do esqueleto de um homem por 222 milhões de
euros!!! Dizem mesmo que a ‘módica quantia’ vai esticar para 280 milhões. E lá
vão mais seis s exclamações!!!!!!...
Nem me dou sequer ao incómodo
de repetir argumentos e considerandos sobre este mercado negro – a nova escravatura,
esta de luva branca – que rumina diamantes e humilha a condição da humanidade que moireja toda a
vida sem nunca ver na sua mesa senão o ‘pão
que o diabo amassou’. Venham os economistas e façam a contabilidade entre o Deve
e o Haver desta indústria exportadora-importadora. Venham os psicólogos e
educadores e perscrutem a mentalidade de
uma criança ou de um jovem colocados perante a ‘inutilidade’ de estudar e a
fábrica de fazer dinheiro com um par de botas…
Mesmo que Manuel Alegre
lhe dedique poemas ou que Vitorino alinhe notas musicais na relva alentejana
soltando loas aos futebois, não hesito em classificar todo este emaranhado de
compras e vendas como uma requintada forma (encapotada e idolatrada pelo
rebanho ignaro, de alto a baixo) digo, uma forma encapotada de capitalismo selvagem, galopante. Não é por
acaso que o PSG deixou de ser francês para tornar-se uma colónia de um dos
representantes do petróleo das arábias, o tal que deixou cair dos calções os
tais 222 milhões.
Fosse um médico, um
enfermeiro ( hoje mesmo, certa
comunicação social esteve de orelhas fitas para criticar) fosse um professor, um
administrador consciente, um operário competente, um cientista ou até mesmo um
político honesto a reclamar idênticos honorários – e caíam o Carmo e a
Trindade, “olha os parasitas, olha os ladrões, grandes vigaristas, abutres da
inflação”! Mas ao “bípede sem penas” (relembro Platão) que
tem a bola no papo, já ninguém critica, todos aceitam e esperam mais. Quem será
o senhor que se segue, nei-mar ou nei-terra ou nei-ar?!
Fico-me por aqui,
esperando as bancadas que muitos vão arrancar e atirar ao rosto deste escrito. Mas sei também que
haverá por aí alguém que me acompanhe, tal é a obscenidade, como dizia hoje um
conceituado jornalista, do mercado negro das, enfaticamente chamadas,
transferências. Só me resta confirmar a decisão que originou este texto
prosaico, mas esclarecido e militante. Porque (reafirmo o que disse há algum
tempo) abrindo o meu televisor para
aturar pontapés no couro-não cabeludo, os sábios e falantes “furões” da caça futebolísticas ou a cloaca de
corrupções que fedem dentro e fora dos
estádios –aí já estou a ser cúmplice-consumidor e comparsa-vendedor dos tóxicos
produtos que destroem os valores e minam as sociedades.
Amantes do verdadeiro
desporto que torna são o corpo e saudável o espírito, “anima sana in corpore sano”, Sim! Predadores e traidores aos ideais
olímpicos, Não!
05.Ago.17
Martins Júnior
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