Quem,
em tempo de férias relaxantes, preferiu viajar na linha livre das duas estações
anteriores (“Ficar ou Largar”- I e II) estará hoje à espera do desenlace final:
em que ficamos? Terá razão a sentença proferida pelo juízo da leitora: “Quem
não se revê nos valores da instituição não faz parte dela”! E eu pergunto:
haverá direito a recurso quando em apreço está a instituição-Igreja?...
Sem correr o risco de enfadar o repouso
de verão, tentarei marcar algumas bóias de referência neste mar propenso a
dúvidas e equívocos sem conta. Quero crer que do paralelo descrito no texto anterior
– entre os diversos modelos de instituição - pergunta-se
se o Império organizacional da Igreja-instituição corresponde à matriz original
do seu Fundador ou se, pelo contrário, configurou-se à imagem e semelhança das
monarquias absolutas?... Trata-se de um organigrama burocrático-militar ou,
antes, de um organismo vivo, dotado de inteligência, sensibilidade e criatividade
no pensamento e na acção?...
É esta a chave do enigma. Os que
antepõem a instituição-Igreja à comunidade de corpos e almas em marcha para a Vida
– decretarão depressa a exclusão, ‘sem
apelo nem agravo’. Os que invertem a equação – Povo em perpétua viagem em vez de betão armado,
colunas, tronos e cúpulas ogivais, por mais sofisticadas que
sejam – esses descobrirão que o seu protótipo e Líder, O Cristo Evangélico, identificou-se com a carne humana, o Povo em
marcha, deu-se-lhe todo, combatendo a ignorância, a alienação e a despersonalização
com que os pilares da Sua Religião, sediada em Jerusalém, sufocavam os crentes. A Sua paixão era a
dignificação e a ascensão global dos seus conterrâneas, ao ponto de ser acusado
pelos fariseus de subverter a lei de Moisés e de colocar o Homem à frente de
Deus. Poderia o Mestre afastar-se, abandonar, largar – deixando os seus contemporâneos
condenados às garras do obscurantismo, do medo, do terror divino. Mas
não fez. Manteve-se firme, inteiro e intemerato até ao fim. Mesmo sabendo que
após a Sua morte viriam os abutres sem escrúpulo (“ a praga do Vaticano”, disse-o Francisco Papa) e do Seu Corpo fariam mina de
ouro, dos seus braços amorosos fariam chicotes de tortura e do Seu Coração aberto
jorrariam labaredas condenatórias contra quem Lhe seguisse as pegadas. Mas não
desistiu!
Milhares de homens e mulheres, mártires
da Inquisição de todos os tempos, que abraçaram a comunidade, a Sua Ecclesia, acabaram atirados às feras
pela instituição-Igreja. Mas não desistiram! Porque viam no seu Povo, não um
rebanho acéfalo, manada bruta de autómatos invertebrados, mas carne da mesma
carne e sangue do mesmo sangue, com fome e sede de Verdade e Luz, sempre em
escala ascendente ao encontro da Casa Paterna.
Certo é que, neste dilema, abrem-se
dois caminhos opostos, um dos quais é o de sair e lutar denodadamente (alguns
pegaram em armas) para derrubar a instituição. O outro, permanecer e abrir
clareiras na mentalidade dos crentes, ‘armá-los’ de ideias e perspectivas, num
paciente e porfiado esforço de propedêutica socio-cultural e espiritual,
redescobrindo o rosto fraterno do Cristo-Fundador, para esconjurar os falsários
predadores da instituição e cumprir a
directiva do bracarense Frei Bartolomeu dos Mártires (1514): Ecclesia
sempre reformanda – a Igreja deve estar sempre em processo de
transformação. De purificação, acrescento.
É este um trabalho árduo, mas
consistente. Quando os cristãos de base interiorizarem que também são fermento
na Igreja, então serão eles os construtores da Igreja-comunidade, de regresso
às fontes primeiras da sua crença. Abrir-se-lhes-ão os olhos e então cairão as
superstições pias, os báculos acusadores, as mitras balofas. Tem sido assim o
percurso do Papa Francisco, esperando ele que a imensa assembleia dos cristãos
compreenda o seu alcance e assuma o lugar que lhe compete no grande fórum da História.
Louvo todos quantos – gente boa, verdadeira
“estirpe cristã” – que no seu dia-a-dia vibram com este anseio libertador.
Louvo os que largaram, como bem descreveu Bernardo Santareno, na peça “A Traição do Padre Martinho”, quando este, perseguido pela Pide, abandonou a sua paróquia
do Cortiçal, desabafando amargamente: ”Não
é possível ser-se padre em Portugal”. Tal
como na luta socio-politica, louvo os que desertaram da guerras fratricidas em África
e, no estrangeiro, lutaram contra a ditadura.
Mas maior louvor dedico aos que
ficaram, organizando e apoiando o Povo nas suas justas reivindicações, os que
foram despedidos, perseguidos, jogados às prisões, manietados e torturados.
Esses mantiveram-se firmes às raízes e aos ideais. Por vezes, custa mais ficar
que partir. O mesmo se pode subscrever quanto à organização familiar.
O importante é o conhecimento.
Recordo-me do Prof. H. Hoestlandt, da Universidade de Lille, quando o acompanhei
na Madeira numa inesquecível pesquisa científica por todo o litoral insular.
Ofereceu-me a obra do P. Vouiillaume, Au
coeur des Masses, sobre a vida e o assassinato de Charles de Foucauld, no
deserto dos tuaregues. E apôs a seguinte dedicatória: “Pour uns découverture du Christ”. Foi este convite à descoberta que
me marcou os passos futuros, já lá vão
mais de 60 anos.
Apraz-me terminar esta mini-trilogia – “O
drama de ficar ou largar” – com recurso à estância 40, Canto I, do valoroso
Luís Vaz de Camões: “É vergonha desistir-se da coisa começada”, Aqui, “coisa” é
conhecimento, é ideia, é “sonho que comanda a vida”!
11.Ago.17
Martins Júnior
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