Diz-me
qual é o teu – e eu dir-te-ei quem és.
Podia
ser assim o subtítulo deste passatempo breve. Breve e, em hora certa,
divertido. Aproxima-se o fim do mês ‘gostoso’, onde é rainha a ridícula silly season, com entrevistas de cordel,
areias cor-de-rosa na praia dos jornais, reportagens “chapa-seis” que dão para
qualquer locutor preencher de mais vazio o vazio da estação.
Nem
é preciso simular. Basta reproduzir. O jornalista, entre saltimbanco e ‘franco atirador’, enguia-se
pelos apertos do arraial e pergunta: “Então, está a gostar?... De onde veio?...
Algum compromisso especial”? E a resposta é pronta: ”Vim da Venezuela (do Canadá,
da Austrália”), cheguei ontem e vim comer e beber no arraial”. O homem do microfone
joga-se para a porta do estádio e faz o passe ao nosso emigrante: “Então, aqui?
De onde é que veio e para quê”? E o ‘instrangeiro’ marca logo: “Venho da
América, andei mais de 3.000 Km para ver o Portugal-França”. Mais modesta e
composta, a estagiária na “TVerão”, mete-se na procissão do norte da ilha: “E a
senhora, foi a fé que a trouxe?... vem de longe”? E a devota, de mantilha piedosa a cobrir
cabeça e ombros, balbucia: “Vim da
África do Sul pagar (!!!) a promessa ao Senhor Bom Jesus (ou à Senhora do Monte,
ou à do Livramento ou a Nossa Senhora do Calhau, tanto faz)”.
Três
motivações, qual delas a mais distante uma da outra. Mas há mais. Os que
planeiam o ano inteiro para chegar mais cedo ao palco da Zambujeira do Mar, de
Vilar de Mouros, do Rock in Rio, de Coachella Fest na Califórnia. Até o mais rasteiro ‘alibabá’ não larga a vida
sem ir a Meca. E os ungidos do óleo pascal juram que não morrem sem ir a Roma “ver
o Papa, que é Deus na terra”.
O
mercado é enorme, não conhece fronteiras e o seu limite é igual à desgarrada
imaginação de cada qual. Uma, porém, deixou-me de bruços, dependurado numa
incógnita insuperável. Foi aquele casal, emigrante há mais de trinta anos num ‘país
capitalista’ (assim mo disse) que todos
os anos programa as férias para estar presente na “Festa do Avante”. E lá vai
ele, asinha, para a Atalaia do
Seixal. Dispenso-vos, ‘kamaradas’ ilhéus, de quaisquer emolumentos por este
naco de propagandazinha cunhalista. Quão diversa é a meta deste cinquentão e
sua esposa, se a compararmos com as restantes”!
Sem
contar com o grosso daqueles “que vão a todas”, um aspecto salta, incontido e decidido,
deste confuso emaranhado: é a militância com que cada um se deixa seduzir (eu direi, narcotizar e, nalguns casos,
alienar) diante do seu craque, do ídolo ou do cromo que entronizou como deus na
ara do seu culto.
Sem entrar em altas incursões sobre a sociopsicologia
do fenómeno, não estaremos longe do alvo se considerarmos o “Festival” (nos casos
citados) como o barómetro do indivíduo e
da sociedade a que pertence. Nesta onda, faço um stop para olhamo-nos um
em frente do outro: “E qual é o teu Festival, real ou imaginário…e o meu…e o do
meu meio”?
Xavier
de Maistre, desde há duzentos anos que nos vai ensinando a arte e a ciência de
viajar até onde quisermos… dentro da nossa própria casa. A Viagem à volta do meu Quarto é bem a paradoxal conclusão de que somos nós os timoneiros da
insondável circum-navegação da nossa vida. Nas nossas mãos o leme, o horizonte,
o porto de chegada. Lembrando Pessoa – “A Minha Pária é a Língua Portuguesa” – direi
que a Pátria-Mátria de cada um é lá onde está o gosto, o apetite, o sabor e a
consequência das suas opções.
Festivais!
Diz-me qual é o teu e eu dir-te-ei quem és.
Educar-me para um “Festival”
maior. Eis o sumo do meu Luar de Agosto.
29.Ago.17
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário