Não
é mais que um desabafo, quase sem palavras, o que hoje vos trago. E é este:
Desde
o 15 de Agosto ainda não saí do Largo da Fonte. E ninguém de lá me tira tão
cedo. Por onde quer que eu vá, estala-se-me todo dentro de mim aquele tronco secular. No ‘Campo Santo’ de São Martinho, Monte ou
São Gonçalo, no cume das montanhas a
arder, nos terramotos ou nas aluviões devoradoras de vidas e haveres, em tudo
vejo o fantasma daquele Monte esmagador, intransponível. Quero ouvir-lhe a voz –
depressão, prece, gemido ou grito – o que tem a dizer-me, a interpelar-me, a responder-me.
Porque
ele anda sempre a perseguir-me para exigir-me uma resposta. A mim e a todos
aqueles que não se deixam submergir no desespero nem consentem embotar o delicado tecido da sua sensibilidade. Mexe
com todos nós, seres pensantes.
O
que se tem visto publicamente não passa de uma arena de interesses marcados
pelo mais cínico mercantilismo em que o que mais conta é o vocação de solteira,
atribuída à culpa. Baixo, insensível, mesquinho e desrespeitador dos mortos! Podem morrer cinco pais, mães ou crianças,
dez, doze, treze: o importante é que a culpa não morra…solteira. Recuso-me a
entrar por esse exclusivo pântano político, de um atroz oportunismo. A Justiça
ditará. Inexoravelmente!
As
perguntas e respostas que eu procuro são as que irrompem do chão onde se
consumou a tragédia. Um chão sagrado, iluminado pelas sacrossantas velas das “promessas”,
um encendrado voto de divino amor à “Santa Milagrosa”. E a grande incógnita que me bate na mente e no
coração é esta: Onde está Deus no meio de tudo isto?... Que estatuto ou que
função desempenhou ali a “Sua Mãe”, Senhora do Monte?...
Interessam-me
estas perguntas e dou tudo de mim a quem mas responda. Porque são de todos os
tempos e lugares. Porque, sobretudo, ouviu-se a tremenda informação do
Pontífice oficiante na tribuna do sacro altar da nossa catedral: ”Deus chamou a
si esses nossos irmãos”!!!... Então, Deus estava lá!?... Para chamar treze vítimas
inocentes!?… Mas, para isso, primeiro teve de chamar o velho carvalho adormecido
nos jardins do esconderijo… Quem poderá suportar semelhante paradoxo?
Deixem-me
dormir descansado esta noite. Vou parar, por agora. Mas sei que o que não vai
parar amanhã é esta luta interior.
Porque, após quase oito décadas de educação religiosa acumulada, não quero
morrer sem encontrar resposta a esta
pergunta: O que é que tem a ver a Religião com tudo isto? Estará a Religião
casada com esta e outras tragédias… ou viverá eternamente solteira e
protectora?...
Ajudem-me
a encontrar um lampejo de luz serena e inteligível. Porque vou continuar a escavar o sempre inacabado
túnel da Vida e da Morte.
Que
os que tombaram no ‘chão sagrado’ iluminem a obscura e breve estrada dos vivos.
É a maior homenagem que lhes podemos prestar.
23.Ago.17
Martins Júnior
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