quarta-feira, 9 de agosto de 2017

FICAR OU LARGAR?... II


Mantenho a premissa enunciada no texto anterior: uma palavra  envolve mais de mil imagens. Eis-me aqui hoje a navegar sobre o turbilhão de rotas e paisagens suscitadas pelo dilema gráfico – “ficar ou largar” -  a propósito da forma como  Raquel Varela comentou  o encontro de três sacerdotes, “três lados luminosos de uma Igreja justa” e à qual alguém teve a amabilidade de observar: “Quem não se revê nos valores da instituição não faz parte dela”. Mais concretamente: quem não está de acordo com a Igreja-instituição deve largá-la. Prometi esclarecer e cumpro agora, obrigando-me, pela escassez de espaço legível, a um esforço de apertada síntese, em cinco itens:
Primeiro - De que género ou figurino-instituição é que estamos a falar, quando nos referimos à instituição-Igreja? Trata-se de uma estrutura monárquica, hermética, reservada a uma estirpe genealógica aristocraticamente segregada e transmitida por herança mítica, à semelhança do Velho Império Romano ou do Sacro Império Romano-Germânico?... Trata-se de uma organização militar, arregimentada num castelo monolítico, servido por estrelas do marechalato e generalato, logo seguida dos galões dourados de capitães e tenentes até diluir-se na massa informe das praças, impedidas de pensar e só condenadas a executar?... Tratar-se-á ainda de uma  pirâmide do sistema de Max Weber em que pontifica o ideal burocrático, pelo qual basta carregar no botão hierárquico e logo  toda a máquina acciona um encadeamento de peças autómatas, êmbolos, parafusos, correias de transmissão?...
Segundo - Estaremos seguros que foi esse o modelo da Ecclesia (Assembleia) que Cristo quis quando criou a sua Igreja?
Terceiro - Como se portou o mesmo Cristo perante o Templo de Jerusalém, a sede da religião judaica oficial, na qual nasceu e cresceu?... Largou-o, abandonou-o?... Foi-lhe inteira e cegamente submisso?... Esteve sempre de acordo com os Sumos Pontífices Anás e Caifás, ou com os sacerdotes e levitas do Templo?...  Lembram-se das críticas cerradas, verrinosas peças de oratória tribunícia, “raça de víboras, hipócritas, cegos que guiais outros cegos, fétidos sepulcros, por fora caiados de branco e por dentro antros de podridão”?!... Pergunta-se: Apesar disso, deixou de frequentar o Templo?... Lembram-se: aos doze anos já lá estava a discutir com os sábios e doutores da Lei, mais tarde entrou desabridamente no Santuário e  com azorragues escorraçou os que lá dentro “faziam da “Casa do Meu Pai uma banca de negócio”?!...
Quarto - Para manter a Sua Igreja (Assembleia) por que Constituição se orientava Cristo:  por um esquelético, desumano e gélido Código de Direito Canónico, decalcado do Codex Juris Romanus, com penas talhadas ao milímetro e exclusões cominatórias, algumas até sem processo formado?... Lembram-se de Pedro que O negou, da Madalena, de Zaqueu, de Judas até, convidado para a Sua mesa?!... “Na Casa do Meu Pai há muitas moradas”…
Quinto - Por fim, a questão inicial e a incógnita final: Fugiu Cristo à participação da Religião de Moisés, apesar de estar em desacordo frontal com a orgânica e contra  os máximos titulares oficiais que a deformavam?... “Não vim destruir a Lei e os Profetas, vim aperfeiçoar”. Esta a pedagogia do Mestre e pela qual o assassinaram.
Esperava concluir hoje esta reflexão, a única que me serve de guião e bússola segura no mar encapelado deste dilema gráfico – “Ficar ou Largar”.  Reconheço, porém, que as interrogativas descritas nos cinco itens  já vão longas e, por certo, poderão constituir semáforos auxiliares para encontrar a meta serena desta estrada por onde entrei. Por onde entrámos.
Encontrar-nos–emos na estação seguinte, que é como quem diz,  no próximo dia ímpar.
09.Ago.17

Martins Júnior

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