Mantenho
a premissa enunciada no texto anterior: uma palavra envolve mais de mil imagens. Eis-me aqui hoje
a navegar sobre o turbilhão de rotas e paisagens suscitadas pelo dilema gráfico
– “ficar ou largar” - a propósito da
forma como Raquel Varela comentou o encontro de três sacerdotes, “três lados luminosos
de uma Igreja justa” e à qual alguém teve a amabilidade de observar: “Quem não
se revê nos valores da instituição não faz parte dela”. Mais concretamente:
quem não está de acordo com a Igreja-instituição deve largá-la. Prometi
esclarecer e cumpro agora, obrigando-me, pela escassez de espaço legível, a um
esforço de apertada síntese, em cinco itens:
Primeiro - De
que género ou figurino-instituição é que estamos a falar, quando nos referimos
à instituição-Igreja? Trata-se de uma estrutura monárquica, hermética, reservada
a uma estirpe genealógica aristocraticamente segregada e transmitida por herança
mítica, à semelhança do Velho Império Romano ou do Sacro Império Romano-Germânico?...
Trata-se de uma organização militar, arregimentada num castelo monolítico,
servido por estrelas do marechalato e generalato, logo seguida dos galões
dourados de capitães e tenentes até diluir-se na massa informe das praças,
impedidas de pensar e só condenadas a executar?... Tratar-se-á ainda de
uma pirâmide do sistema de Max Weber em
que pontifica o ideal burocrático, pelo qual basta carregar no botão
hierárquico e logo toda a máquina acciona
um encadeamento de peças autómatas, êmbolos, parafusos, correias de
transmissão?...
Segundo - Estaremos
seguros que foi esse o modelo da Ecclesia
(Assembleia) que Cristo quis quando criou a sua Igreja?
Terceiro - Como
se portou o mesmo Cristo perante o Templo de Jerusalém, a sede da religião
judaica oficial, na qual nasceu e cresceu?... Largou-o, abandonou-o?... Foi-lhe
inteira e cegamente submisso?... Esteve sempre de acordo com os Sumos Pontífices
Anás e Caifás, ou com os sacerdotes e levitas do Templo?... Lembram-se das críticas cerradas, verrinosas
peças de oratória tribunícia, “raça de víboras, hipócritas, cegos que guiais
outros cegos, fétidos sepulcros, por fora caiados de branco e por dentro antros
de podridão”?!... Pergunta-se: Apesar disso, deixou de frequentar o Templo?...
Lembram-se: aos doze anos já lá estava a discutir com os sábios e doutores da
Lei, mais tarde entrou desabridamente no Santuário e com azorragues escorraçou os que lá dentro “faziam
da “Casa do Meu Pai uma banca de negócio”?!...
Quarto - Para
manter a Sua Igreja (Assembleia) por que Constituição se orientava Cristo: por um esquelético, desumano e gélido Código
de Direito Canónico, decalcado do Codex
Juris Romanus, com penas talhadas ao milímetro e exclusões cominatórias,
algumas até sem processo formado?... Lembram-se de Pedro que O negou, da
Madalena, de Zaqueu, de Judas até, convidado para a Sua mesa?!... “Na Casa do
Meu Pai há muitas moradas”…
Quinto -
Por fim, a questão inicial e a incógnita final: Fugiu Cristo à participação da
Religião de Moisés, apesar de estar em desacordo frontal com a orgânica e contra
os máximos titulares oficiais que a
deformavam?... “Não vim destruir a Lei e os Profetas, vim aperfeiçoar”. Esta a
pedagogia do Mestre e pela qual o assassinaram.
Esperava
concluir hoje esta reflexão, a única que me serve de guião e bússola segura no
mar encapelado deste dilema gráfico – “Ficar ou Largar”. Reconheço, porém, que as interrogativas
descritas nos cinco itens já vão longas
e, por certo, poderão constituir semáforos auxiliares para encontrar a meta
serena desta estrada por onde entrei. Por onde entrámos.
Encontrar-nos–emos
na estação seguinte, que é como quem diz, no próximo dia ímpar.
09.Ago.17
Martins Júnior
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