Cidades
são como pessoas. Corpos de gente como nós.
Tens
uma célula dolorida e todo o teu corpo sofre e geme. Tocam-te a pupila dos olhos
e, todo inteiro, vagueias entre sombras, tacteando labirintos nocturnos em pleno sol do meio dia.
Para
cantar 509 anos de nascença, o nosso Funchal não teve bolo nem velas. Só a
cereja do velho tronco em cima de mãos e crânios aniversariantes, preparados
para a boda. Toda a cidade emudeceu sob o cruzeiro de mil braços, caído na
praça. Os que ficaram de fora, como e
onde encontrariam voz para cantar e ouvidos para escutar maviosas canções?!...
Mas
é forçoso renascer em dia de aniversário, mesmo entre crepes encharcados de
lágrimas. Como aquela mulher que os meus olhos viram, a única sobrevivente da tríade familiar, os
braços engessados, em cadeira de rodas, mas de face erguida, imóvel e serena
como a estátua da dor, seguindo o rasto cruel do esposo e do filho-bebé na
descida à sepultura! Aquela serenidade quase impassível e sempre impossível que
só os grandes gritos de alma sabem guardar!
Levanta-te
de novo, Cidade pentassecular! Assenta os pilares de outrora no basalto dos
teus alicerces, como em 1803, como em 2010. Mais duro foi o golpe de 2017. Não
em 3 de Outubro nem em 20 de Fevereiro, mas no portal de Agosto, na mesa do
teus 509 anos!
Outras
cidades sofreram iguais tormentos. Na velha Roma, ardia a ‘cidade eterna’ e o
tresloucado Nero tocava harpa nos jardins do Capitólio. Não quero crer que haja
um só cérebro paranóico que pegue um instrumento – harpa, piano ou tuba – e
solte cínicas loas nas labaredas das serras ou no ‘Largo da Fonte’!
Na
ínclita Atenas, capital da antiga Grécia de Sófocles, fustigada por sucessivas
devastações, o Coro ululante dos Anciãos exigia a morte de Édipo-Rei para que os deuses não fizessem desabar toda a sua ira sobre o povo
ateniense. Espero que Maria de Nazaré não prossiga a iracunda sentença dos
velhos deuses pagãos, ameaçando mais castigos sobre o Monte e a Cidade,
enquanto não lhe fizerem mais um apartamento na ‘Capela das Babosas’… E não há
quem tape a pia boca bacoca que vomita tamanhas heresias!
Um 21 de Agosto que, segundo os Anais da
Cidade, nunca antes se vira! Inelutável e soturno. Porque não foram muros ou
telhados, palácios, monumentos ou catedrais. Foram Pessoas – Corpos e Almas – que têm dentro
valores mais altos que a mais alta arquitectura. Para cavar mais fundo, foi a
fatídica tragédia plantada num chão alagado da mais terna espiritualidade…
Aos
familiares das vítimas, aos construtores
da Cidade, o Povo, e aos seus representantes, quero entregar este voto, como um
patriótico grito auroreal: : “Levantai
agora, de novo, o Esplendor do Funchal” !
21.Ago.17
Martins Júnior
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