Quão
inoportuna é essa ideia! No meio de tanto sucesso domingueiro, vitórias
desportivas, apoteoses partidárias - apanhar pela frente com Aquela frase batida: hoje é o primeiro dia
do resto da tua vida, especiosa criação de Sérgio Godinho! Não parece de
bom tom.
Mas é a realidade inelutável, inexorável
e, no fundo, a maior, a mais líquida e transparente radiografia de cada
vivente. Para cúmulo da ironia, precisamente na próxima terça-feira, a Suprema
Tribuna da Nação vai botar palavra e lei sobre o caso, isto é, sobre a
Eutanásia. Sim ou Não? Ou Nim?
Escuso-me de debater hoje os
ingredientes desta receita-proposta (há quatro sobre a mesa), ou seja, deixo
para outro dia o argumentário pró e contra, ficando-me apenas (este ‘apenas’ é
tudo!) pela análise das leis. E chego à conclusão, de resto já antiga, de que a
lei escrita é uma ficção, uma abstracção da realidade, porque não radica no
existencial concrteo, pelo contrário, é um híper-produto fabricado por um
aglomerado de gente, a que dão o pomposo nome de legisladores, vulgarmente
conhecidos por deputados. Aqueles corpos e aquelas almas – um por um – vão empacotar
dentro de si o pensamento, pró ou contra, de milhões de pessoas. Certamente
passarão a noite em claro a meditar, outros nem isso talvez, porque o partido e
o chefe pensam por eles, trocarão alguns dedos de conversa entre si e, na hora
fatal, levantar-se-ão da poltrona, accionarão o botão de Bush (quando mandou
abrir fogo no Iraque) e, num clic mágico
ou trágico, darão à luz um produto a que o Presidente do Parlamento chamará lei
– Está aprovado (ou reprovado( por
unanimidade (ou maioria simples) – a que coercivamente estarão sujeitos
todos os portugueses. Para o efeito, pergunta-se: consultaram os destinatários
directos dessas leis? Estiveram à cabeceira dos doentes ? Ouviram os seus
gemidos e pedidos? Ou, de outra forma, investigaram qual o superior interesse
do doente terminal?
E assim aparecerá, com todo o aparato
do protocolo, no Jornal da República uma
pura abstracção, um trauma adquirido, um puro devaneio, quem sabe?... E
chama-se a isto votar em consciência, escolher em liberdade. Mas aí, intercepto
a marcha dos deputados-gladiadores em plena arena parlamentar e pergunto a cada
um deles: “Mas afinal, passei-te alguma procuração para isto? Desde quando te
entreguei a minha consciência ou a minha liberdade de escolha? Informaste-me,
algum dia, de que constava isto no teu programa eleitoral?
Estas questões abissais e estas
perguntas pesadas como rochedos sinto-as com maior lucidez no meu subconsciente, precisamente porque já
vesti a pele e o peso de deputado. E se hoje estivesses nessa função e fosse
obrigado a votar, em consciência e liberdade, em nome de outros, francamente
sentir-me-ia impotente, susceptível até de ser arguido em processo de “abuso de
confiança”, por servir-me de uma procuração de poderes gerais para representar
milhões de pessoas em processo que postulava poderes especiais, sem que ao
menos tivesse informado os meus constituintes, os eleitores, sobre uma matéria
desconhecida.
Tudo quanto trago escrito acima é extensivo a todas as hipóteses de opção,
quer sejam a favor ou contra. Acompanho, neste item, a filosofia daquelas formações partidárias, que põem causa o
processo legislativo que culminará na votação da próxima terça-feira, na
Assembleia da República.
Porque o tema é tão premente quanto apaixonante,
voltaremos a dialogar no Senso&Consenso
sobre a matéria de facto, isto é, a argumentação que eventualmente sustenta
a problemática da Eutanásia.
27.Mai.18
Martins Júnior
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