Se
“homem algum é uma ilha” – também nenhuma ilha, nenhuma nação, nenhum continente o são. Condenado à condição de sapo, o ser
humano mergulha no charco com a mesma imponência como se estivesse a nadar no
mais vasto oceano. Por isso, aproveito os Maios para saltar fora e ver que,
afinal, eles – os Maios - estão em toda a parte, cada povo tem o seu e cada
qual agarra-o como se fosse o único.
Enquanto em Portugal, mormente na ilha,
entretínhamo-nos em “saltar à laje” e espantar os espantalhos-palhaços-espelhos-nossos,
nesse mesmo ano de “68”, em Paris, dezenas de milhares de cidadãos
manifestavam-se, afrontando as leis vigentes. Enquanto nas Áfricas coloniais, por
exemplo em Moçambique onde então me encontrava, os jovens portugueses (alguns
deles universitários) seguiam como escravos em colunas pedestres pelo mato à
espera de matar ou de ser mortos, em Paris, nesse mesmo ano de “68” os estudantes ocupavam as duas principais universidades Nanterre
e Sorbonne, contra o férreo regime do General De Gaulle. Nesse mesmo ano (4 de
Abril) era assassinado o grande promotor da revolução pacífica, Martin Luther
King, na defesa igualitária dos afro-americanos. No México, no Japão, no
Vietnam do Sul lutava-se pelos mesmos ideais. E nós aqui, babados de ócio,
felizes com a “apagada e vil tristeza” em que vivíamos.
É por isso que saio hoje, num jacto de
emulsão instintiva, e puxo com quantas ganas tenho o “MAIO 68” para cima da
minha mesa de escrita, a nossa mesa de convívio dos dias ímpares. E fico
atónito, como quem leva uma pedra na cabeça, ao pensar na diferença de vidas e
estados de alma: Em França, a energia propulsora dos jovens parisienses
erguendo a bandeira da liberdade e nós, cabisbaixos, carne para canhão em
terras africanas, na mísera condição de “assassinos à força”!
Tragam palmas de glória e louros de
vitória, ergamos um trono ao jovem estudante líder fogoso Daniel Cohn-Bendit,
por ter agregado e contagiado milhares e milhões de rapazes e raparigas, homens
e mulheres e até idosos em todo o mundo na grande campanha da afirmação da
personalidade do indivíduo e da sociedade contra a ditadura do governo e do
pensamento único. Foi esse, afinal, o magnífico padrão constituinte do “MAIO 68”!
E não esqueçamos que foi o Maio francês
que prognosticou e inspirou o “25 de Abril” português. O Abril e o Maio,
intrinsecamente unidos!
Como em todos os movimentos
revolucionários, também o “MAIO 68” foi vítima das críticas mais virulentas,
insidiosas e torpes, colando-o às ideologias marxistas-comunistas. Nada mais
falso. Basta citar o testemunho da história: “O Partido Comunista esteve sempre
contra o MAIO 68”. Motivo: porque os promotores do “MAIO 68” combatiam os
regimes totalitários, viessem de onde viessem, o do De Gaulle ou o de Moscovo
ou o de
Máo Zédōng”. Era este o sentido último da palavra de ordem então
largamente propalada: ”É proibido proibir”.
Na
esteira de Edgar Morin, o analista mais isento do histórico acontecimento, transcrevo o pensamento de Ruben Amon: “A
marca de fundo do “MAIO 68” aspirava
tão-só a discutir a rigidez de uma sociedade vertical e hierarquizada, tanto
nas fábricas como nas aulas e em todos os sectores sociais. Por isso,
transformaram-se as relações de autoridade, descobriu-se a noção de juventude e
do seu peso social e predispôs-se o ambiente para muitas outras conquistas que
ganharam sucesso ao longo dos tempos, como o conceito feminista, a consciência
das minorias, a concepção solidária da tolerância e a autonomia do indivíduo”. Estes os parâmetros essencialmente identitários
do “MAIO 68”.
Não
admira, pois, a militância primária do presidente Nicolas Sarkozy, “ao
pretender reconstruir a ordem e a religião anti-distúrbios”, classificando o “MAIO
68” como uma epidemia e decretando-lhe abertamente a morte total. Logro
rotundo! Porque a Razão faz sempre o seu caminho! E a Verdade. E a Liberdade.
Viva
o “MAIO” francês. O “25 de ABRIL” português. O MAIO UNIVERSAL!
03.Mai.18
Martins Júnior
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