Que
falta de gosto, dirá toda a gente! E que mau agoiro deixar para um fim de
semana essa cena de vermos uma pessoa – de
vermo-nos a nós próprios! – numa cama, já de malas aviadas para a última
e, por isso, para a Grande Viagem.
Posso
afiançar-vos que não é por qualquer tendência mórbida nem pessimismo de
circunstância que o faço, mas por exigência de oportunidade que envolve e
compromete todos os portugueses: é que na próxima terça-feira a Assembleia da
República votará a legalidade ou ilegalidade da eutanásia. Até lá, quem quiser
acompanhar-me e debater tão magna questão poderá sentar-se à mesma mesa, em
cada um dos próximos três “dias impares”.
Porque não entreguei nem nunca entregarei a um inquilino do Parlamento plenos
poderes de representação nesta matéria.
Por
feliz coincidência, caiu-me nas mãos uma reportagem do jornal Le Monde, testemunho arrepiante e
comovente, que passarei a descrever, sem mais comentários, por hoje.
Trata-se
de um documentário televisivo, cujo sugestivo título – “Fim de vida, o último exílio” – acrescenta: “Quando a morte
torna-se uma opção”. Conta a história de uma octogenária, Monique, vítima de
vários AVC´s. mas de “sorriso radioso” numa festa de despedida, rodeada de familiares e amigos, brindando efusivamente à
amizade e à vida. Era a sua despedida. No dia seguinte, partiria para Zurique,
Suiça, onde se entregaria à morte assistida. Em França, a lei não lha permitia.
Monique,
84 anos, explica-se, fraca e abertamente, aos familiares e amigos:
Sinto-me totalmente toda bloqueada. Tornei-me
completamente parva, imbecil, inútil. Já não possa fazer mais nada…
No
entanto, tem fé em Deus. E quando se confronta a si mesma sobre se haverá algo
depois da morte, ela própria responde:
Eu penso que algo tem
de haver. Forçosamente! Sem isso, não faria sentido nenhum esta passagem pela
terra. Ou então Deus seria um tolo, um louco!
A
reportagem acompanha-a “até ao último momento em que ela tomará um copo de água
misturada com um poderoso barbitúrico”, enquanto uma voz suave, a da assistente
médica, explica mais uma vez:
Já não há mais hipótese
de regresso, Monique. Cairá num sono profundo e em poucos minutos perderá a
consciência. Desejo-lhe, Monique, uma boa viagem.
Neste
documentário, o jornalista de Le Monde
esclarece que o objectivo é recomendar ao legislador francês que altere o seu ordenamento
jurídico de modo a possibilitar aos doentes em grande sofrimento a hipótese de
escolher a sua forma de morrer. Aliás, a Comissão Consultiva Nacional conta
apresentar até Junho um relatório-debate que servirá de base à revisão das leis
da Bioética, agendada para o próximo outono.
Continuaremos,
em próximos capítulos, esta viagem à geografia da Última Viagem. No entanto, é
surpreendente verificar que na decisão de Monique não há desespero, revolta ou
sombra de demência. Muito pelo contrário. Há serenidade, paz, até confiança em
Deus. É contrastante e avassalador que Monique, 84 anos, veja na sua morte a
Festa da Vida.
À
consideração superior.
E
à nossa também.
25.Mai18
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário