Afinal,
também caí na mesma fraqueza. Tentando obedecer ao postulado aristotélico – “Nada
de humano me é estranho” – acabo por literalmente desobedecer-lhe e até contrariá-lo. Com
efeito, se nada de humano me deve ser estranho, o seu contrário impõe-se
categoricamente, nestes precisos termos: tudo quanto é desumano deve ser-me
alheio.
Por
isso, o que se passou hoje no verde-negro de Alcochete nem devia ser lembrado.
Porque foi mais que desumano, infra-humano, anti-humano. Selvagem é pouco. Para casos destes deveria inventar-se um
dicionário louco dos mais loucos neologismos., de caverna e de caserna, de
pocilga e de fedor.
E
cá estou eu caído nessa arena inominável, fedorenta, a conspurcar todo o senso
e consenso dos dias ímpares. Mas toco-lhe, à tangente, porque essa é a selva
que nós, os humanos, fabricamos (ou somos capazes de fabricar) seja na academia
alcochetense, na academia bacalhoeira, nos antros banqueiros, nas alcovas da
carne, nas sacristas sotainas soturnas. A paranóia endémica está toda acumulada
nas baterias mais recônditas de nós mesmos. Basta a ocasião para fazer o
ladrão, diz bem a filosofia popular. A ocasião aqui é o fanatismo, a cegueira,
o furor egoísta, dogmático, a paixão sem
freio. Morre-se por amor e mata-se por amor.
Nem
mexo um passo para catalogar o que se passou na Academia. Vou procurar o tal
glossário, de caserna para baixo. Alguém, durante a tarde, via no esquadrão dos
50 leões a mesma cena de hoje e de ontem entre israelitas e palestinianos, na
faixa de Gaza. Por mim, só me apraz repetir o que já bastas vezes escrevi, a
propósito da entrada nos estádios, com os “gorilas” armados até aos dentes, os
cães de guerra e logo atrás as hordas dos povos bárbaros marchando sobre as
cidades medievais. No século XXI!
Quero
lá saber se é o Carvalho bruno e bruto o culpado. Eles são todos sósias
candidatos ao título. Culpado é o maldito capitalismo dos estádios, onde cada
jogo se resume e se diz escancaradamente que é para ganhar (ou perder) 20
milhões, 50 milhões, 100 milhões. Culpados são os ordenados híper-milionários
pagos ao “coicebol”, como dizia o meu velho professor de literatura. Culpados
são os media que enchem tardes e
noites de doutos comentadores de cordel e transportam aos cumes da lua as
chuteiras heroínas de uns quantos analfabetos que não sabem e não querem saber
outra coisa, enquanto os mesmos media atiram para o CL da informação gente
que luta arduamente pela saúde, pela ciência, pelo progresso de um país ou de
uma região. Culpados, ainda, são os governantes que se acobardam ao dirigismo
desportivo e, pior, despejam nos clubes dinheiro que pertence ao povo
contribuinte, quantas vezes mais carente que os magnatas da bola. E culpados são esses espectáculos de “pedofilia
futebolística” (por isso, deprimentes e anti-pedagógicos) quando inocentes
crianças são obrigadas ou levadas pela mão dos heróis “gladiadores” na fictícia
entrada triunfal na arena rectangular da liça.
Já
marquei tantos auto-golos quantos os parágrafos que escrevi, ou seja, nem
deveria ter gasto um pingo de ar com essa caravana selvática. Pelo que se passou hoje (e que dará pasto e chama para arder Portugal
aos olhos de todo o mundo) é forçoso
concluir que este futebol profissional não presta. É um potencial antro do vício, um
mineiro de corrupção, enfim, um
manicómio de paranóia colectiva.
A
solução será mudar de paradigma. Ou, não sendo possível, talvez esteja no seu
contrário – a dissolução.
15.Mai.18
Martins Júnior
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