terça-feira, 15 de maio de 2018

QUANDO A SOLUÇÃO ESTÁ NA DISSOLUÇÃO


                                                  

Afinal, também caí na mesma fraqueza. Tentando obedecer ao postulado aristotélico – “Nada de humano me é estranho” – acabo por literalmente  desobedecer-lhe e até contrariá-lo. Com efeito, se nada de humano me deve ser estranho, o seu contrário impõe-se categoricamente, nestes precisos termos: tudo quanto é desumano deve ser-me alheio.
Por isso, o que se passou hoje no verde-negro de Alcochete nem devia ser lembrado. Porque foi mais que desumano, infra-humano, anti-humano. Selvagem é pouco.  Para casos destes deveria inventar-se um dicionário louco dos mais loucos neologismos., de caverna e de caserna, de pocilga e de fedor.
E cá estou eu caído nessa arena inominável, fedorenta, a conspurcar todo o senso e consenso dos dias ímpares. Mas toco-lhe, à tangente, porque essa é a selva que nós, os humanos, fabricamos (ou somos capazes de fabricar) seja na academia alcochetense, na academia bacalhoeira, nos antros banqueiros, nas alcovas da carne, nas sacristas sotainas soturnas. A paranóia endémica está toda acumulada nas baterias mais recônditas de nós mesmos. Basta a ocasião para fazer o ladrão, diz bem a filosofia popular. A ocasião aqui é o fanatismo, a cegueira, o furor egoísta, dogmático,  a paixão sem freio. Morre-se por amor e mata-se por amor.
Nem mexo um passo para catalogar o que se passou na Academia. Vou procurar o tal glossário, de caserna para baixo. Alguém, durante a tarde, via no esquadrão dos 50 leões a mesma cena de hoje e de ontem entre israelitas e palestinianos, na faixa de Gaza. Por mim, só me apraz repetir o que já bastas vezes escrevi, a propósito da entrada nos estádios, com os “gorilas” armados até aos dentes, os cães de guerra e logo atrás as hordas dos povos bárbaros marchando sobre as cidades medievais. No século XXI!
Quero lá saber se é o Carvalho bruno e bruto o culpado. Eles são todos sósias candidatos ao título. Culpado é o maldito capitalismo dos estádios, onde cada jogo se resume e se diz escancaradamente que é para ganhar (ou perder) 20 milhões, 50 milhões, 100 milhões. Culpados são os ordenados híper-milionários pagos ao “coicebol”, como dizia o meu velho professor de literatura. Culpados são os media que enchem tardes e noites de doutos comentadores de cordel e transportam aos cumes da lua as chuteiras heroínas de uns quantos analfabetos que não sabem e não querem saber outra coisa,  enquanto os mesmos media atiram para o CL da informação gente que luta arduamente pela saúde, pela ciência, pelo progresso de um país ou de uma região. Culpados, ainda, são os governantes que se acobardam ao dirigismo desportivo e, pior, despejam nos clubes dinheiro que pertence ao povo contribuinte, quantas vezes mais carente que os magnatas da bola.  E culpados são esses espectáculos de “pedofilia futebolística” (por isso, deprimentes e anti-pedagógicos) quando inocentes crianças são obrigadas ou levadas pela mão dos heróis “gladiadores” na fictícia entrada triunfal na arena rectangular da liça.
Já marquei tantos auto-golos quantos os parágrafos que escrevi, ou seja, nem deveria ter gasto um pingo de ar com essa caravana selvática.  Pelo que se passou hoje  (e que dará pasto e chama para arder Portugal aos olhos de todo o  mundo) é forçoso concluir que este futebol profissional  não presta. É um potencial antro do vício, um mineiro de corrupção, enfim,  um manicómio de paranóia colectiva.
A solução será mudar de paradigma. Ou, não sendo possível, talvez esteja no seu contrário – a dissolução. 
  
 15.Mai.18
Martins Júnior



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