Finado
o dia, rebobina-se o filme.
Logo
de manhã, na cozinha cheirando ao pão caseiro e à carne de vinha d’alhos feita
de véspera, preparam-se os cestos, as mochilas e o ”gibinha” de Setembro
passado. E lá vamos de abalada, velhos e novos (os de colo vêm a reboque da mãe
ou da irmã mais velha) e todos de bordão de ponto chegámos ao montado. “Já
chegámos a Maio! Viva a tradição. Não se podia deixar p’ra trás esta devoção,
do tempo dos nossos avós e bisavós”. Para a população rural madeirense, é
assim: “ir a Maio”, uma promessa irresistível, assembleia partilhada no campo,
uma espécie de incontornável panelo de família, as favas, as semilhas, o
braseiro ao lado ou o atum de escabeche na marmita e, obrigatoriamente, tudo
regado com o suor vermelhinho do “gibinha” . Viva Maio. “Vai-se saltar à laje”!
Pela
cidade capital, o ritual não difere senão no estilo. Há os que sobem ao Vale do
Pereiro, outros esperam o espectáculo da “cais 8” para ver a vedeta de fora.
Ainda lá aparecem, envergonhados na bruma da manhã, os diminutos cromos
forçados do ofício, mais murchos que o ramo de flores fúnebres que depositam
aos pés da, ainda mais inerte, estátua do trabalhador.
É
caso para chegar ao fim do dia e procurar na cidade sombra ou rasto do Dia do Trabalhador e perguntar: ”Viram por aí
o 1º de Maio”?...
Em
poucas palavras, quer no campo quer na cidade, o figurino do “Dia do
Trabalhador” na Madeira assemelha-se mais a um alienado ignorante do que a um
ser pensante dotado de siso e memória. Exigimos o 1º de Maio, mas ao mesmo tempo
mandamo-lo às urtigas, esquecemo-lo, contradizemo-lo na prática. Viessem cá os
homens e mulheres de Chicago que foram massacrados e mortos, em 4 de Maio de
1886, por reclamar o direito às oito horas de trabalho diário, contra as nove e
dez horas do regime de então. Que diriam desta indiferença, desta alienação
colectiva de um Povo que não sabe nem sente a grandeza e a profundidade de tão
memorável efeméride?!...
É
o nosso Maio inculto. Não admira, se nos lembrarmos da ditadura salazarista que
reprimia qualquer indício de insatisfação operária, muito pior, qualquer ameaça
de greve. A estratégia mais eficaz era distrair o zé--povinho, mandá-lo como
gado ‘pastar’ no montado, fazer espantalhos e saltar à laje. E assim, estaria
tudo “em paz”. Isto durante sessenta e setenta anos numa ilha fechada, acabou
por criar uma reescrita desfigurada da história e, por consequência, um vazio e
uma alienação totais em relação à gigantesca luta dos operários de Chicago.
Ninguém deu por falta dele, do genuíno,
histórico e martirizado 1º de Maio. E os educadores do Povo, talvez por crassa
ignorância, também em nada ajudavam a ver a luz ao fundo do túnel.
Que
isto se tivesse passado na noite do regime fascista, compreende-se. Agora, na
era da cultura e da democracia, atirar novelos de cinza para os olhos da população,
isso já não se admite - nem se perdoa um tão ignominioso atentado à educação de
um Povo. A própria cobertura do audiovisual da Região sobre o dia de hoje
espelha a veracidade desta minha observação, É uma questão de rever toda a
programação. Achei ridiculamente “delicioso” o alinhamento da nossa RDP/M, debitando
canções cansadas, com aditivos especiais pelo meio, entre as quais uma cantiga
dedicada à caravela “Sagres” ancorada no Funchal. Quanto à mensagem musical (e
tão ricas e abundantes que elas aí estão ao dispor) nada, nem uma! E dizem querer um Povo esclarecido e
actualizado. Ironia sem préstimo!...
Daqui
envio uma ampla e solidária saudação à iniciativa dos sindicatos da Madeira
que, no Funchal, tiveram a dignidade de um autêntico 1º de Maio culto e corajoso,
desfilando na capital madeirense, em perfeita identificação com a afirmação universal
do Dia do Trabalhador.
Sois
vós, Organizações Unidas, que (contrastando com a incultura e a indiferença de
muitos) garantis a frescura do “Maio, Maduro Maio” do grande Zeca Afonso.
VIVA
O POVO QUE TRABALHA E FAZ O MUNDO NOVO”!
01.Mai.18
Martins Júnior
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