Chegam-me
à ponta dos pés, rasam-me os dedos das mãos e atacam-me os neurónios. São as
labaredas que se soltam das serras de Monchique, das planuras-florestas da
Califórnia e até das sempre verdes paisagens nórdicas do velho continente. Por
cima das chamas e do furacão de gritos e protestos das vítimas e dos ‘bombeiros
de bancada’, um risco de vertigem atravessa o espaço e petrifica-se aqui mesmo
diante de mim, como uma estátua flamejante: é a cabeça desse minúsculo fósforo
que fez a ignição primeira.
Entre muitas, duas são as sensações que
me fumegam os neurónios: saudação e respeito.
Saudação
ao fogo que “Prometeu agrilhoado” roubou aos deuses, poema épico à luz que
devassa as trevas, fermenta a seiva criadora e jorra as fagulhas do génio no
cérebro humano!
Respeito,
que é medo e auto-humilhação perante o embrião que é gigante, implacável devorador!
Minúscula cabeça de um fósforo que
depenas as montanhas, subjugas cidades, engoles bibliotecas: minúscula cabeça
que fazes rolar cabeças sem rótulo e mentes liderantes, faustosos galões e
tronos presidenciais! Cabeça de fósforo, seio procriador onde confluem a indomável
força do macho e a intocável leveza da fêmea! Como é possível que o universo da
ciência e da técnica – jóias preciosas do humano arsenal – não te dominem nem
refreiem, minúsculo pingo fosforescente?...
Minúsculos
somos nós, quando te vemos rubro cavaleiro andante, soberano sem coração no
pódio das nossas montanhas, vagabundo sem máscara roubando habitações, ceifando
vidas a eito! Minúsculos, impotentes somos nós!... Porque assim quisemos.
“Em
vez das lamúrias e imprecações ao vento, em vez dos rios de dinheiro comburente
em sofisticados ‘hélis’ ou presunçosos rodados, façam isto enquanto é tempo:
agarrem-me, amputem a primeira ignição e nunca percam de vista esta minúscula
cabeça que habita na ponta de um fósforo”!
Assim
falou o vertiginoso raio de fogo que se soltou de Monchique para Machico, junto
de mim. E para todo o mundo. Só que o
seu aviso não é de ontem ou de hoje ou de amanhã. É de sempre! Saibamos todos,
governantes e governados, escutá-lo e cumpri-lo. Tanto basta para que a chama
seja vida!
09.Ago.18
Martins Júnior
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