Nesta
estação ligeira, embora acalorada pelo sol e pela floresta indefesa, paira nos
ares a sombra inquietante de um quase-fantasma: o debate. Ele aí está ao virar
da esquina, ao dobrar a folha do jornal. Pode, pois, arvorar-se em tarja larga
o axioma: Debater é Viver.
E o debate faz bem. É saudável. Não
precisa ser apaixonado, gárrulo, maniqueísta. Debate, exige-se-o dialogante,
ponte pênsil entre duas certezas opostas. Porque, ao fim da refrega suspensa,
chegamos sempre à síntese final: a razão está dos dois lados. Por outras
palavras: no debate sério e transparente, o pêndulo da verdade balanceia-se
entre um extremo e outro, há parcelas de luz divididas entre as penumbras em
litígio. Daí, a serenidade e a
objectividade, como pilares fundamentantes do verdadeiro debate.
Sem esquecer o facto inicial que deu o
mote a estes dias – o debate – chega-nos imprevistamente , mas muito
oportunamente, a questão difundida nas redes e na comunicação social: ZECA
AFONSO NO PANTEÃO NACIONAL! Sim ou não?
A Sociedade Portuguesa de Autores,
promotora da iniciativa, levanta um mausoléu, um trono, um altar e aí cita Luís
Vaz de Camões, exaltando o Cantor de Abril “entre os barões assinalados… os que
da lei da morte se vão libertando”. Porque ele merece. Porque todos os portugueses
são-lhe devedores da Liberdade que ele cantou, sofreu e ajudou a implantar em
Portugal. E continua o clamor apoteótico:
“Ditosa Pátria que tal filho teve”!
Mas do outro lado do rio da História, está
alguém que não cita Camões nem Pessoa, mas que em silêncio vai curtindo uma
saudade irmanada com o pensamento do Zeca: “Ele recusou sempre os louros do
regime, voltou as costas aos medalhões decorativos da hipocrisia oficial. Até
deixou marcado em caracteres de dor macerada mas reconfortante o seu último
desejo: sepultar-se em campa rasa… Como, pois, renegar a última vontade do seu
autor?... Seria uma traição ao pensamento e à coerência existencial de Zeca
Afonso”!
Este o argumentário sentido do outro
lado da ponte do debate.
Então, em que ficamos? Quem tem razão –
a SPA ou a família do precursor de Abril? E quem se atreverá a dirimir a
questão? Em boa verdade, ninguém. Porque ambas as partes têm razão. “É o drama
deste mundo – escreveu Gilbert Cesbron – todos têm razão”. Porque tudo depende
da cor dos olhos que vêm a paisagem, o rio, o debate.
E que farão as “hostes” em confronto? Gritar,
terçar armas, guerrear por causa de Zeca Afonso? Mas como, se ambos os redutos
pretendem o mesmo objectivo – estar com Zeca Afonso?!...
Eis aqui o paradigma de todos os
debates. Há sempre parcelas de luz nas duas frentes em litígio. Daí, os dois
pressupostos estruturantes de qualquer debate: Serenidade e objectividade.
Pela minha parte, confesso a minha
tímida oscilação entre os dois pilares da ponte pênsil e o meu coração balança
entre os dois. Entretanto, ao recordar essa tarde memorável em que me juntei à
multidão-povo genuíno, cantando pelas ruas da cidade todas as “Grândola’s” do mundo, antes de vê-lo romper a terra-campa rasa onde
quis ficar, deixo aqui expresso o meu
voto, num breve excerto, transcrito nos “Poemas Iguais aos Dias Desiguais”, por ocasião do 30º aniversário da sua morte:
FALA DO ZECA NA LOUSA 1606
Nem
mausoléu nem flores
Nem
mesmo campa rasa
Nem
tubas nem tambores
Não
me tragam rosas bem-me-queres
Porque
eu não estou aqui
Nunca
foi esta a minha casa
Vagueio
errante mas não errado
E
estou sempre onde estiveres
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Eu
estou em ti
Tu
és o meu país
Que
desbravo e cavo
Para
encontrar
Vermelho
como um cravo
O
corpo morto do meu povo cativo
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Eu
não morri
Porque
vivo em ti
23.Ago.18
Martins Júnior
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