Unindo
a ponte entre os dois dias ímpares (31 de Julho-1 de Agosto), hoje trago o
complemento da euforia ontem descrita. Aqui, imparidade é sinónimo de
contraste. Na brilhante efervescência da estação estival e no majestoso esplendor
que a instituição eclesial viveu em Portugal pelas promoções epíscopo-cardinalícias
de dois dos seus membros, aí também cai a mancha - negra de luto e vermelha de martírio.
Ela já se alastrou por todo o mundo, de boca em boca e através das páginas do
jornal Le Monde: “Nos últimos seis
anos foram assassinados no México 24 sacerdotes”.
A
reportagem feita no Estado de Guerrero identifica as causas: os dois cartéis da
droga – Los Rojos e Los Ardillos - contra as atitudes da
Igreja face ao narcotráfico. Casos: o Padre Thomas, natural dos arredores de
Guerrero, foi raptado logo após a missa em 30 de Abril de 2014 e o seu corpo só viria a ser encontrado seis
meses depois numa fossa clandestina juntamente com mais 12 cadáveres. Só neste
primeiro semestre foram mortos 5 religiosos, dois deles de 30 anos de idade,
numa estrada a norte de Guerrero, após uma festa religiosa à qual assistiram
membros dos cartéis da droga. “Os raptos, as extorsões e os roubos sucedem-se em todas as igrejas. Nenhum
santuário está seguro”. Para agravo da situação, reporta o jornalista, “80% dos crimes contra sacerdotes ficam
impunes”. Na versão do Padre Pechi,
os assassinatos funcionam como uma mensagem às populações: “Se eles
matam um padre, isso significa que podem matar seja quem for. Eles atacam-nos
porque nós representamos a última força moral contra eles”.
Como
pode isto acontecer, pergunta o repórter, “num país com mais de 120 milhões de
habitantes, onde 8 sobre 10 declaram-se católicos?”.
Na
paróquia de Atzacoaloya, os assassinos também vão à confissão e até têm, numa
das ruas, o seu santo privativo, Jesus Malverde, “o padroeiro dos
narcotraficantes”, cuja imagem
posiciona-se atrás da Virgem de Guadalupe, com o objectivo de angariar adeptos,
embora a Igreja não reconheça tal culto.
Vigorosa
e eminentemente pastoral é a acção do bispo Salvador Rangel, da diocese de Chilpancingo-Chilapa, quando, de camisa branca
e cruz negra ao peito, publicamente interroga “Que fazer quando as autoridades se deixaram substituir pelo crime
organizado?... Dois padres acabam de receber ameaças de morte. Eu não posso
ficar de braços cruzados. A Igreja vê-se obrigado a ocupar o vazio deixado pelo
governo”.
Esta
é a resposta ao apelo do Papa Francisco, na visita ao México em 2016, onde
recomendou aos bispos uma “coragem
profética” para travar a “metástase da violência”. Mas não é fácil. O próprio Padre Pechi confessa: “Recorro a Deus para ter força de dominar o
medo e não o transmitir aos meus
paroquianos”. Por outro lado, o Padre Jesus Mendoza, nos arredores de
Acapulco, (800.000 habitantes), “uma das cidades mais perigosas do mundo”, ao
verificar que no estado de Guerrero os mortos, na sua maioria, têm menos de 30
anos, lança um apelo, em vésperas das recentes eleições para o governo: “Estancar este banho de sangue exigirá uma
cirurgia social profunda. Porque um país sem uma juventude sã é uma nação sem
futuro”.
Eis
alguns fragmentos deste mundo de contrastes. Aqui, é o sol aos borbotões, é o
triunfalismo, a apoteose que enchem o ar que respiramos. Lá – mas no mesmo
planeta e na mesma assembleia ecuménica – o medo, a angústia, a morte cruenta. Uma
divagação estranha paira dentro de mim: Se os cenários se trocassem e o os
horrores do Estado de Guerrero invadissem a ilha e o país, acharia o povo
líderes da fibra desses padres e desses bispos em defesa da verdade e do
direito?! Acharia bispos que, à semelhança daquele que, de camisa branca e cruz
negra ao peito, gritou ao país. “EU NÃO POSSO FICAR DE BRAÇOS CRUZADOS”???!!!
01.Ago.18
Martins Júnior
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