sexta-feira, 17 de agosto de 2018

SIGNOS GENITAIS NUM TEMPLO ROMÂNICO!





Após os considerandos – plenamente lógicos para uns, estranhamente pesados para outros – colhidos no cenário da nossa memória colectiva em redor do ‘malfadado’ Largo da Fonte, fica-nos a incomensurável versatilidade do espírito humano, sobretudo quando abandona o primado da razão para resvalar inconscientemente pelas ravinas do mito, do sensitivo, do imediato, tantas vezes agarrado a determinadas formas de religiosidade primária. São incontáveis os ícones e talismãs que a imaginação popular recria e às quais atribui uma valoração cirúrgica, como  um meticuloso  receituário de farmácia cegamente formatado para cada mazela do quotidiano.  Mais vulgarizadas são  as velas, com ou sem pavio, naturais ou electrónicas, que obedecem como ‘escravas do Senhor’ ao tinir da moeda caída na caixa da santinha. Mais impressivo, porém, é o impacto das procissões em que nos braços dos romeiros e das romeiras passeiam-se garbosamente pernas, braços, barrigas, cabeças de criança, tudo moldado em escantilhões de cera ou estearina barata. Supõe-se que, pela ética do pudor, outros órgãos e membros não se despem na sacra via pública, ainda que de cera se tratasse.
    O menos e o mais que se pode dizer é a exigência de respeito por parte dos espectadores. Concorde-se ou não, manda a sã urbanidade que se respeite a relação contratual do crente com o objecto ou com o sujeito da sua crença.
Andando eu a cogitar sobre esse estendal de ‘promessas’ deambulando pelas ruas e ruelas, eis senão quando cai-me nas mãos uma breve nota do jornal EL PAÍS, cujo conteúdo se encaixa como carapuça no crânio, a propósito dos signos e cortejos rogatórios. Trata-se, imaginem só, da notícia sobre uma determinada igreja, da época românica na região da Cantábria, que ostenta nas colunas, nos arcos e nos capitéis, objectos ritualmente sacrílegos para um templo: são os órgãos genitais, tanto de homem como de mulher. Cinzelados na pedra milenar e acusando já a erosão dos tempos, eles lá estão bem visíveis e apelativos. Digo “apelativos”, porquê?... Precisamente porque (diz a tradição local) essas ‘escabrosas’ configurações servem para afugentar pragas e maldições. Mais concretamente, livram de perigos iminentes, concitam a benevolência divina, numa palavra, são os ícones e os signos que o Homem do século XXI tributa aos patronos das suas causas...
A misteriosa versatilidade da imaginação humana quando confrontada com a nebulosa dos seus problemas!
Porque o assunto é muito sério e abarca miríades de incógnitas, ainda sem resposta, voltaremos a debruçar-nos sobre a distância abissal que nos abrem os cultos e superstições em que inconscientemente navegamos.
17.Ago.18
Martins Júnior   

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