quarta-feira, 15 de agosto de 2018

O “ANTI-MILAGRE” DO MONTE


                                                             

          Tão cedo sairei, limpo e liberto, daquele concêntrico Largo do Monte!... Do meu último solilóquio que – precisamente  por ser intimíssimo -  julguei não encontrar eco algum, mas afinal descobri que, entre os muitos que  acompanharam o texto, alguém sintonizou-se comigo e desabafou: “E não me falem de "milagres" que se me revoltam as entranhas...”.
         Por isso, embora “paralisado entre 13 e 15 de Agosto”, cheguei hoje à conclusão de que o maior feito que aconteceu no terreiro da idolatrada  miniatural   Senhora do Monte  só pode ter um nome: Anti-milagre.
         No visionamento das reportagens das comemorações, apetecia-me apostrofar, mesmo de longe, todos aqueles figurantes, desde os eclesiásticos e ‘caixeiros’ políticos até aos crédulos fiéis obcecados a queimar os dedos no pavio da estearina e perguntar-lhes: “Que fazeis aqui?... pedinchar graças, pagar promessas, ver milagres”?
“Não – calculo eu. O que viestes fazer foi comemorar o Monumental Anti-milagre de 2017”!
Milagre seria se a vetusta estatueta carregada de ouro aliviasse a dor ciática daquele velhote, levantasse do chão o coxo caído, “enchesse de bens os famintos” (Lc. I,53)  ou fizesse florir agora as cerejeiras. Mas não foi isso que Ela viu a seus pés. Foi um ‘portento’ maior:  Um velho tronco, que resistira a aluviões e nortadas, abrigo secular de pássaros e  generoso verde-sombra dos devotos visitantes solta-se furioso  naquele dia e naquela hora (nem antes nem depois) e chacina de um só golpe 13 vítimas. Nem o mais calibrado apontador de morteiro seria capaz de fazê-lo em campo de guerrilha, com direito a cruz-de-guerra. Soberanamente o Anti-Milagre!
Todos viram, todos gritaram, vieram as ambulâncias, os agentes funerários E a dulcíssima Senhora onde estava? Não viu, não sentiu, não deu por nada?... Aí sim, no seu terreiro, era a hora de accionar o Milagre para anular o Anti-Milagre. Esconjurar o perigo assassino. Em vão! Ter-se-ia escondido com medo de ter sido Ela a causa temporal ou o pretexto circunstancial daquele “crime”, Anti-milagre?... Foi por Ela, só por Ela, que as 13 vidas ali se dirigiram e, num ápice, saíram mortas. Castigo de Deus, também não. Foram lá “pagar” (que termo blasfemo!) promessas à Senhora…Apontem-me um só episódio no Evangelho em que Maria e seu Filho estivessem de banca a receber dinheiro ou cotos de velas!
Era outra (e ainda é hoje) a verdadeira Maria, aquela que nunca esperou milagres. Para dar à luz não pediu a Deus uma maternidade, uma estalagem, uma pensão rasteira, uma enxerga, sequer. Procurou, lutou,  não conseguiu: aceitou a manjedoura de um rude palheiro. Herodes planeou matar-lhe o filho bebé, mas Ela não pediu a Deus a magia de  um misterioso ‘bunker’. Agarrou na criança, aconchegou-a ao colo e lá vai Ela, fugitiva refugiada, afrontando desertos e perigos, até alcançar lugar seguro em terras do Egipto. E no alto do Calvário – estátua da dor e da coragem – não conseguiu evitar o assassinato do Filho. Mas aguentou, firme, até ao fim. Estóica, sobre-humana, Mulher Eterna!
Esta, a Senhora, autêntica e única, não mora na penumbrosa estatueta do Monte nem em nenhuma outra que tenha balcão de velas milagreiras. Pelo contrário, Ela é aquela que luta pela Vida e pela Justiça Social, conforme as leituras bíblicas deste 15 de Agosto: “Derrubar os poderosos soberbos dos seus tronos e exaltar os humildes; encher de bens os famintos e aos ricos exploradores despedi-los de mãos vazias”. Assim cantou e proclamou em alta voz nas montanhas de Judá, (Lc.I, 51-53)

15.Ago.18
Martins Júnior
    
    

Sem comentários:

Enviar um comentário