Tão
cedo sairei, limpo e liberto, daquele concêntrico Largo do Monte!... Do meu último
solilóquio que – precisamente por ser
intimíssimo - julguei não encontrar eco
algum, mas afinal descobri que, entre os muitos que acompanharam o texto, alguém sintonizou-se
comigo e desabafou: “E não me falem de "milagres" que se me revoltam
as entranhas...”.
Por isso, embora “paralisado entre 13 e
15 de Agosto”, cheguei hoje à conclusão de que o maior feito que aconteceu no
terreiro da idolatrada miniatural Senhora
do Monte só pode ter um nome:
Anti-milagre.
No visionamento das reportagens das
comemorações, apetecia-me apostrofar, mesmo de longe, todos aqueles figurantes,
desde os eclesiásticos e ‘caixeiros’ políticos até aos crédulos fiéis obcecados
a queimar os dedos no pavio da estearina e perguntar-lhes: “Que fazeis aqui?...
pedinchar graças, pagar promessas, ver milagres”?
“Não
– calculo eu. O que viestes fazer foi comemorar o Monumental Anti-milagre de
2017”!
Milagre
seria se a vetusta estatueta carregada de ouro aliviasse a dor ciática daquele velhote,
levantasse do chão o coxo caído, “enchesse de bens os famintos” (Lc. I,53)
ou fizesse florir agora as cerejeiras.
Mas não foi isso que Ela viu a seus pés. Foi um ‘portento’ maior: Um velho tronco, que resistira a aluviões e
nortadas, abrigo secular de pássaros e generoso verde-sombra dos devotos visitantes
solta-se furioso naquele dia e naquela
hora (nem antes nem depois) e chacina de um só golpe 13 vítimas. Nem o mais calibrado
apontador de morteiro seria capaz de fazê-lo em campo de guerrilha, com direito
a cruz-de-guerra. Soberanamente o Anti-Milagre!
Todos
viram, todos gritaram, vieram as ambulâncias, os agentes funerários E a
dulcíssima Senhora onde estava? Não viu, não sentiu, não deu por nada?... Aí
sim, no seu terreiro, era a hora de accionar o Milagre para anular o
Anti-Milagre. Esconjurar o perigo assassino. Em vão! Ter-se-ia escondido com
medo de ter sido Ela a causa temporal ou o pretexto circunstancial daquele “crime”,
Anti-milagre?... Foi por Ela, só por Ela, que as 13 vidas ali se dirigiram e,
num ápice, saíram mortas. Castigo de Deus, também não. Foram lá “pagar” (que
termo blasfemo!) promessas à Senhora…Apontem-me um só episódio no Evangelho em
que Maria e seu Filho estivessem de banca a receber dinheiro ou cotos de velas!
Era
outra (e ainda é hoje) a verdadeira Maria, aquela que nunca esperou milagres. Para
dar à luz não pediu a Deus uma maternidade, uma estalagem, uma pensão rasteira,
uma enxerga, sequer. Procurou, lutou, não conseguiu: aceitou a manjedoura de um rude
palheiro. Herodes planeou matar-lhe o filho bebé, mas Ela não pediu a Deus a
magia de um misterioso ‘bunker’. Agarrou
na criança, aconchegou-a ao colo e lá vai Ela, fugitiva refugiada, afrontando
desertos e perigos, até alcançar lugar seguro em terras do Egipto. E no alto do
Calvário – estátua da dor e da coragem – não conseguiu evitar o assassinato do
Filho. Mas aguentou, firme, até ao fim. Estóica, sobre-humana, Mulher Eterna!
Esta,
a Senhora, autêntica e única, não mora na penumbrosa estatueta do Monte nem em
nenhuma outra que tenha balcão de velas milagreiras. Pelo contrário, Ela é
aquela que luta pela Vida e pela Justiça Social, conforme as leituras bíblicas
deste 15 de Agosto: “Derrubar os poderosos soberbos dos seus tronos e exaltar
os humildes; encher de bens os famintos e aos ricos exploradores despedi-los de
mãos vazias”. Assim cantou e proclamou em alta voz nas montanhas de Judá, (Lc.I, 51-53)
15.Ago.18
Martins Júnior
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