Foi
deveras acalorado o debate que no areópago da net provocou a hipotética reconstrução da Capela das Babosas,
engolida pelo furacão de 2010. Maior fricção se eriçou entre os participantes
quando veio à tona essa peregrina decisão de reerguer a ermida a expensas do
governo.
Peço
autorização para entrar na liça, levado não pela emoção de momento, mas pela
análise fria da história. Depressa chegaremos à conclusão de que a construção
de santuários, basílicas, templos, capelas e capelinhas estão para os governos
como a banana para os macacos. Nenhuma instituição está tão interessada em levantar
igrejas e catedrais como o poder
político. É uma irresistível atracção dos governantes para assentar arraiais no
campanário da aldeia como no carrilhão das catedrais. Aliás, o próprio termo ‘basílica’
significa ‘mansão do rei’, Santuário Real.
Aliás, foi este o argumento com que o Sumo-Sacerdote impediu o profeta Amós de
proclamar os oráculos divinos no templo de Betel, pois “este - avisou o
Pontífice – este é o Santuário do Rei” (Amós,
7,13).
Não
menos sintomática é a coincidência entre a construção das mais sumptuosas basílicas
e a motivação que lhes deu origem. Quase sempre tem por inspiração e ocasião uma
guerra ou um feito arrasador perpetrados pelos construtores do sagrado monumento.
Começando na primeira basílica construída
em Roma pelo Imperador Constantino (Basílica de São João de Latrão, actual sede
oficial dos bispos de Roma, os Papas) em agradecimento pela vitória alcançada contra
o rival Maxêncio, em 312, até ao
especioso Mosteiro da Batalha ou de Nossa Senhora da Vitória, Portugal, mandada
erigir por D.João I (1387-1388) para assinalar a vitória contra os castelhanos, em Aljubarrota – há sempre
um engenhoso móbil, estranho à fé e à pura espiritualidade.
Citei
apenas dois exemplos, iniludivelmente comprovativos das motivações sobre as
quais assenta o grande volume das construções eclesiásticas: a passada de leão,
disfarçada de pomba branca da religiosidade popular. Fala-se, então, da fé do povo
só para cobrir de um manto diáfano instintos obscuros. A ostentação de formas,
mais evidenciada no barroco, demonstra bem a preocupação do poder absoluto distribuído
e mutuamente segurado pela Coroa e pela Mitra. Mau presságio para os crentes:
quando é o governo o maior interessado em construir igrejas e casas paroquiais:
estamos perante mais um embuste dos açambarcadores de feira Aqui assenta como
luva na mão o velho axioma: Time Danaos,
etiam dona oferentes – “Cuidado com os gregos, mesmo quando te oferecem
presentes”. Neste contexto, os madeirenses já tiveram treino e espectáculo que
cheguem.
Antes,
no meio e depois deste passeio breve pela história, forçoso é voltar às fontes.
Definiu bem o Mestre a essência de todos os templos e santuários, quando um dia
exacerbou os pontífices do judaísmo: “Podeis destruir este templo, porque em
três dias sou capaz de reconstruí-lo”. E
logo a seguir o texto esclarece: “O templo a que Jesus se referia era o seu
próprio corpo”. (Jo.2, 19-21). Sublime e peremptória definição, porque um
corpo indefeso e doente merece mais atenção do que as quatro paredes de um
santuário.
Quanto
à extrema necessidade de um templo para a fé, o Mestre é lapidar, eloquente,
quando falou à Samaritana: “Mulher, podes crer que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vai chegar a
hora – e é esta mesma – em que os verdadeiros adoradores do meu Pai adorá-lo-ão
em espírito e verdade” (Jo.4, 21-13).
Que
dirá a história e que dirá Jesus diante do apetite de algum povo e diante de uns
restos de parede que um governo pretensamente quer levantar do chão?
Não
posso sair deste “templo” reflexivo, sem reescrever dentro de mim o que
proclamou o Padre António Vieira, há mais de quatrocentos anos, na
super-aristocrática Igreja da Misericórdia em São Luis do Maranhão, nordeste
brasileiro, onde o povo não tinha hospital, nem sequer enfermaria:
“Melhor fora que
houvesse hospital e não houvesse igreja. Mas se outra forma não houver,
converta-se esta igreja em hospital, que Deus ficará mui contente disso”!!!
27.Ago.18
Martins Júnior
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