segunda-feira, 27 de agosto de 2018

IGREJAS E CAPELAS: QUEM AS FAZ E MANDA NELAS?


                                                      

Foi deveras acalorado o debate que no areópago da net provocou a hipotética reconstrução da Capela das Babosas, engolida pelo furacão de 2010. Maior fricção se eriçou entre os participantes quando veio à tona essa peregrina decisão de reerguer a ermida a expensas do governo.
Peço autorização para entrar na liça, levado não pela emoção de momento, mas pela análise fria da história. Depressa chegaremos à conclusão de que a construção de santuários, basílicas, templos, capelas e capelinhas estão para os governos como a banana para os macacos. Nenhuma instituição está tão interessada em levantar igrejas e catedrais como    o poder político. É uma irresistível atracção dos governantes para assentar arraiais no campanário da aldeia como no carrilhão das catedrais. Aliás, o próprio termo ‘basílica’ significa  ‘mansão do rei’, Santuário Real. Aliás, foi este o argumento com que o Sumo-Sacerdote impediu o profeta Amós de proclamar os oráculos divinos no templo de Betel, pois “este - avisou o Pontífice – este é o Santuário do Rei” (Amós, 7,13).
Não menos sintomática é a coincidência entre a construção das mais sumptuosas basílicas e a motivação que lhes deu origem. Quase sempre tem por inspiração e ocasião uma guerra ou um feito arrasador perpetrados pelos construtores do sagrado monumento. Começando  na primeira basílica construída em Roma pelo Imperador Constantino (Basílica de São João de Latrão, actual sede oficial dos bispos de Roma, os Papas) em agradecimento pela vitória alcançada contra o rival Maxêncio, em 312,  até ao especioso Mosteiro da Batalha ou de Nossa Senhora da Vitória, Portugal, mandada erigir por D.João I (1387-1388) para assinalar a vitória  contra os castelhanos, em Aljubarrota – há sempre um engenhoso móbil, estranho à fé e à pura espiritualidade.
Citei apenas dois exemplos, iniludivelmente comprovativos das motivações sobre as quais assenta o grande volume das construções eclesiásticas: a passada de leão, disfarçada de pomba branca da religiosidade popular. Fala-se, então, da fé do povo só para cobrir de um manto diáfano instintos obscuros. A ostentação de formas, mais evidenciada no barroco, demonstra bem a preocupação do poder absoluto distribuído e mutuamente segurado pela Coroa e pela Mitra. Mau presságio para os crentes: quando é o governo o maior interessado em construir igrejas e casas paroquiais: estamos perante mais um embuste dos açambarcadores de feira Aqui assenta como luva na mão o velho axioma: Time Danaos, etiam dona oferentes – “Cuidado com os gregos, mesmo quando te oferecem presentes”. Neste contexto, os madeirenses já tiveram treino e espectáculo que cheguem.
Antes, no meio e depois deste passeio breve pela história, forçoso é voltar às fontes. Definiu bem o Mestre a essência de todos os templos e santuários, quando um dia exacerbou os pontífices do judaísmo: “Podeis destruir este templo, porque em três dias  sou capaz de reconstruí-lo”. E logo a seguir o texto esclarece: “O templo a que Jesus se referia era o seu próprio corpo”. (Jo.2, 19-21).  Sublime e peremptória definição, porque um corpo indefeso e doente merece mais atenção do que as quatro paredes de um santuário.
Quanto à extrema necessidade de um templo para a fé, o Mestre é lapidar, eloquente, quando falou à Samaritana: “Mulher, podes crer que nem neste monte  nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vai chegar a hora – e é esta mesma – em que os verdadeiros adoradores do meu Pai adorá-lo-ão em espírito e verdade” (Jo.4, 21-13).
Que dirá a história e que dirá Jesus diante do apetite de algum povo e diante de uns restos de parede que um governo pretensamente quer levantar do chão?  
Não posso sair deste “templo” reflexivo, sem reescrever dentro de mim o que proclamou o Padre António Vieira, há mais de quatrocentos anos, na super-aristocrática Igreja da Misericórdia em São Luis do Maranhão, nordeste brasileiro, onde o povo não tinha hospital, nem sequer enfermaria:
“Melhor fora que houvesse hospital e não houvesse igreja. Mas se outra forma não houver, converta-se esta igreja em hospital, que Deus ficará mui contente disso”!!!

27.Ago.18
Martins Júnior
  
          

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