quarta-feira, 29 de agosto de 2018

QUEM QUER FAZER DA “SENHORA” UMA SEM-ABRIGO NA CIDADE?...




         Nunca se sabe de onde se solta um vespeiro. Tantas e tantas vezes, de onde menos se espera. Aconteceu nestes dias e parece que está para durar a batalha campal no terro nu da extinta e ‘mártir’ Capela das Babosas,  símbolo do idílico remanso da freguesia do Monte.
Confesso que  já tinha dado por findo o tempo-de-antena sobre o caso. No entanto, se fosse possível alinhar as diversas intervenções públicas nos poros de um carvalho antigo, dir-se-ia que um vendaval, semelhável ao tal vespeiro, tomou conta das redes sociais, cá do burgo. Tudo à volta do magno dilema: reconstruir – ou não - a dita ermida. A que se anexa um apêndice não menos saltitante: com ou sem o dinheiro do governo.
Do debate, deveras animado, apenas me interessa aferir o barómetro ideo-pragmático dos intervenientes, as motivações, as fés, os impulsos de quantos escreveram o seu parecer, enfim, uma enciclopédia de mil títulos contraditórios expostos na feira das liberdades. A todas as opiniões é devido aquele inalienável direito que a todos os seres assiste: o direito de existir. Seguramente, o estendal de sentenças pendurado no fio da ‘net’ daria um excelente study case  para psicólogos, sociólogos, bruxos, economistas e, sobretudo, teólogos especialistas em exorcismos e quejandos.
Porque empenhar qualquer esforço apologético (pró ou contra) neste ‘peditório’, acho-o tão inútil como as escaramuças medievais sobre o sexo dos anjos, limitar-me-ei hoje e apenas a observar duas das falanges defensoras da reconstrução, dotadas do mesmo ardor patriótico-religioso com que os cruzados foram guardar (?) os Lugares Santos em Jerusalém.
Na primeira falange estão os devotos, a diocese, os reverendos, os vendedores de velas, os feirantes. Entre eles, recortei uma voz misticamente bem timbrada: “Dêem um tecto a Nossa Senhora da Conceição”, à qual respondeu o respectivo eco: “Não há paz no Monte sem a Senhora voltar para sua casa”. Acaso, quem proferiu tal e enorme sentença saberá de quem está a falar? De que Senhora?... Ai, uma Senhora-Virgem na rua, ao rigor do tempo, quem na acode? Ai, que já temos mais um “sem-abrigo” na cidade do Funchal. E é uma jovem refugiada, de gesso ou de pau, sem eira nem beira…Quero sublinhar que o ridículo e a eventual  ‘blasfémia’ desta interpretação estão só na boca de quem pediu um “tecto para Nossa Senhora”! Os povos primitivos, os pagãos e os idólatras não pediriam melhor…
No outro pelotão do exército pró-Babosas estão os que, extravasando os limites do debate – a citada Capela – alegam a necessidade de construir igrejas e templos, onde reunir-se a assembleia dos cristãos. Inteiramente de acordo. O espaço físico é condição determinativa para agregar os correligionários e simpatizantes do mesmo credo. Não é este o caso das capelas. Estas (segundo rezam as crónicas) são normalmente feudos exclusivistas, pois os grandes senhorios e fidalgos de outrora faziam garbo em possuir uma capela privativa dentro do seu palacete, a qual, por especial condescendência do morgado, era aberta ao povo (caseiro e escravo) em certas datas do ano. Noutras circunstâncias, as capelas não constituíam o fórum da comunidade, antes tinham (e ainda hoje têm) origem em devocionismos locais ou regionais, hipotéticas aparições à mistura com medos e superstições.
E para quem tanto se preocupa em “arranjar um tecto para Nª Senhora”, aconselha-se uma volta à ilha e registe quantas casas, santuários, estalagens, nichos, oratórios, capelas e  capelinhas tem a Senhora da Conceição para recolher-se e deixar de ser mais um “sem-abrigo” na “Singapura do Atlântico”. Aqui, poder-se-ia lavrar em letra de lei: ”Não ofendam mais Nossa Senhora, que já está muito ofendida”. Tenho para mim que, assim como o Vaticano é o muro da vergonha que não nos deixe ver a verdadeira face do Cristo, assim também as milhentas capelas e títulos-alcunhas que, ingenuamente, dedicam a Maria só servem para encobrir, também ingenuamente, a beleza, a coragem e a persistência da verdadeira, da histórica Mãe de Jesus.
Para concluir e não mais voltar a estas manobras de diversão (a Madeira, a Igreja e o Povo  não terão problemas mais importantes e decisivos que a Capela das Babosas?...) acrescentarei que as igrejas-edifício material têm de inscrever nos seus códigos uma função eminentemente social. Elas são também “casas-do-povo”, pertença da comunidade e, como tais, deveriam estar abertas à cultura, a sessões e concertos, como felizmente já vem acontecendo nesta ilha. Igrejas e capelas, apenas como monumentos, são sarcófagos anunciados.
Já o disse o Papa Francisco: “A Igreja tem de sair para a rua”. Tem de abrir-se ao Povo!    

29.Ago.18
Martins Júnior         


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