Nunca se sabe de onde se solta um vespeiro.
Tantas e tantas vezes, de onde menos se espera. Aconteceu nestes dias e parece
que está para durar a batalha campal no terro nu da extinta e ‘mártir’ Capela
das Babosas, símbolo do idílico remanso
da freguesia do Monte.
Confesso
que já tinha dado por findo o tempo-de-antena
sobre o caso. No entanto, se fosse possível alinhar as diversas intervenções
públicas nos poros de um carvalho antigo, dir-se-ia que um vendaval, semelhável
ao tal vespeiro, tomou conta das redes sociais, cá do burgo. Tudo à volta do magno dilema: reconstruir – ou não - a dita
ermida. A que se anexa um apêndice não menos saltitante: com ou sem o dinheiro
do governo.
Do
debate, deveras animado, apenas me interessa aferir o barómetro ideo-pragmático
dos intervenientes, as motivações, as fés, os impulsos de quantos escreveram o
seu parecer, enfim, uma enciclopédia de mil títulos contraditórios expostos na
feira das liberdades. A todas as opiniões é devido aquele inalienável direito
que a todos os seres assiste: o direito de existir. Seguramente, o estendal de
sentenças pendurado no fio da ‘net’ daria um excelente study case para psicólogos,
sociólogos, bruxos, economistas e, sobretudo, teólogos especialistas em exorcismos
e quejandos.
Porque
empenhar qualquer esforço apologético (pró ou contra) neste ‘peditório’, acho-o
tão inútil como as escaramuças medievais sobre o sexo dos anjos, limitar-me-ei
hoje e apenas a observar duas das falanges defensoras da reconstrução, dotadas
do mesmo ardor patriótico-religioso com que os cruzados foram guardar (?) os
Lugares Santos em Jerusalém.
Na
primeira falange estão os devotos, a diocese, os reverendos, os vendedores de
velas, os feirantes. Entre eles, recortei uma voz misticamente bem timbrada: “Dêem
um tecto a Nossa Senhora da Conceição”, à qual respondeu o respectivo eco: “Não
há paz no Monte sem a Senhora voltar para sua casa”. Acaso, quem proferiu tal e
enorme sentença saberá de quem está a falar? De que Senhora?... Ai, uma Senhora-Virgem na rua, ao rigor do tempo, quem na acode?
Ai, que já temos mais um “sem-abrigo” na cidade do Funchal. E é uma jovem
refugiada, de gesso ou de pau, sem eira nem beira…Quero sublinhar que o
ridículo e a eventual ‘blasfémia’ desta
interpretação estão só na boca de quem pediu um “tecto para Nossa Senhora”! Os
povos primitivos, os pagãos e os idólatras não pediriam melhor…
No
outro pelotão do exército pró-Babosas estão os que, extravasando os limites do
debate – a citada Capela – alegam a necessidade de construir igrejas e templos,
onde reunir-se a assembleia dos cristãos. Inteiramente de acordo. O espaço
físico é condição determinativa para agregar os correligionários e simpatizantes
do mesmo credo. Não é este o caso das capelas. Estas (segundo rezam as
crónicas) são normalmente feudos exclusivistas, pois os grandes senhorios e fidalgos
de outrora faziam garbo em possuir uma capela privativa dentro do seu palacete,
a qual, por especial condescendência do morgado, era aberta ao povo (caseiro e
escravo) em certas datas do ano. Noutras circunstâncias, as capelas não constituíam
o fórum da comunidade, antes tinham (e ainda hoje têm) origem em devocionismos
locais ou regionais, hipotéticas aparições à mistura com medos e superstições.
E
para quem tanto se preocupa em “arranjar um tecto para Nª Senhora”,
aconselha-se uma volta à ilha e registe quantas casas, santuários, estalagens, nichos,
oratórios, capelas e capelinhas tem a
Senhora da Conceição para recolher-se e deixar de ser mais um “sem-abrigo” na “Singapura
do Atlântico”. Aqui, poder-se-ia lavrar em letra de lei: ”Não ofendam mais Nossa
Senhora, que já está muito ofendida”. Tenho para mim que, assim como o Vaticano
é o muro da vergonha que não nos deixe ver a verdadeira face do Cristo, assim
também as milhentas capelas e títulos-alcunhas que, ingenuamente, dedicam a
Maria só servem para encobrir, também ingenuamente, a beleza, a coragem e a
persistência da verdadeira, da histórica Mãe de Jesus.
Para
concluir e não mais voltar a estas manobras de diversão (a Madeira, a Igreja e o
Povo não terão problemas mais
importantes e decisivos que a Capela das Babosas?...) acrescentarei que as
igrejas-edifício material têm de inscrever nos seus códigos uma função
eminentemente social. Elas são também “casas-do-povo”, pertença da comunidade
e, como tais, deveriam estar abertas à cultura, a sessões e concertos, como felizmente
já vem acontecendo nesta ilha. Igrejas e capelas, apenas como monumentos, são
sarcófagos anunciados.
Já
o disse o Papa Francisco: “A Igreja tem de sair para a rua”. Tem de abrir-se ao
Povo!
29.Ago.18
Martins Júnior
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