Na
transição de cada duodécimo do calendário, vem-nos à memória uma outra frase
batida: tal como o clima transitivo, também a vida é, toda ela, transitiva - a
vida, o clima, o regime, tudo é transitivo. E somos nós os criadores, conscientes ou não, da
transição
Os
regimes transitivos. Têm-me fustigado no mais íntimo as notícias de dois
regimes exemplares: Nicarágua de Daniel
Ortega e Myamar de Aung Suu Kyi, a líder-de facto do
povo birmanês.
Quem
se não lembra da sangrenta luta sandinista contra o ditador Somoza? Quem poderá
esquecer o povo nicaraguense, a família Ortega, os intelectuais, com especial
relevo para a Igreja na oposição, com especial relevo para o escritor e poeta
jesuíta Ernesto Cardenal, mais tarde ministro da Educação do seu país. Todos
heróis da reconquista da liberdade para o massacrado povo da Nicarágua. No
entanto, que atmosfera se respira em
solo nicaraguense?... São recentes as agressões de Daniel Ortega contra os mais
elementares direitos humanos. Perseguições, represálias e prisões sucedem-se em
série, dizem as crónicas. “39 anos após a revolução, o herói sandinista
tornou-se um tirano”.
Myanmar
– antiga Birmânia. Uma mulher corajosa anti-regime é presa e assim permanece durante
15 anos. Libertada em 2010, mais reforça
a sua liderança na luta pela paz e contra a descriminação racial. O seu maior
troféu foi o Prémio Nobel da Paz, em 1991. Ganhou, por mérito próprio, lugar
cimeiro na galeria dos heróis. Entretanto,
agudizam-se as reivindicações dos ‘royingya’, aos quais o governo de Myanmar
recusa conceder nacionalidade. É então que o governo intensifica uma tremenda vaga
de expulsões daquela pobre etnia, ao ponto de um alto comissário da ONU ter exigido
a demissão de Suu Kyi, pelo seu silêncio face aos trágicos acontecimentos e a
devolução do prémio recebido em 1991. O êxodo forçado dos ‘royingya’ para o
mísero Bangladesh tem sido equiparado a um genocídio humano.
E
a pergunta – o pesadelo – é: Como foi possível tamanha contradição? Mais que as
alterações climáticas, assusta-me a medonha capacidade do “Bicho-Homem” em deitar por terra tudo quanto lhe custou a
erguer! Que alucinante transição é esta de destruir com tanta indiferença o que
gerações construíram com dor e amor ?!
O
fenómeno não é novo. Pertence ao ciclo da história. Se rebobinarmos o filme, detectamos
que até as grandes instituições – os seus homens e mulheres - percorreram cegamente os mesmos trilhos.
Lembremo-nos de uma Igreja que, de perseguida, passou a perseguidora, de proletária, a milionária, imperialista. Mais
recentemente, está à nossa porta essa mesma maldição (dos homens e das mulheres
de hoje) que transformaram o Eldorado de uma Venezuela num antro de miséria e
abandono.
Neste
tempo transitivo, somos nós os responsáveis pelo rodar da carruagem em que
viajamos! Quem nos vê hoje e quem nos verá amanhã?
31-Ago-01.Set.18
Martins Júnior
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