quarta-feira, 13 de julho de 2022

COINCIDÊNCIAS E REMINISCÊNCIAS

                                                                              


    Deambulávamos os cinco em saudável percurso pedonal, quando um deles traz ao nosso convívio o nome de um padre madeirense do Estreito de Câmara de Lobos, (hoje, freguesia do Jardim da Serra), de sobrenome Neto, a cuja missa e homilia assistira no Algarve e às quais fez as melhores referências. “Parece-me que é seu primo” – acrescentou, dirigindo-se ao Padre José Luís Rodrigues, connosco no grupo dos cinco.

         Passadas vinte e quatro horas, eis que nos chega a infausta notícia: “O Padre Agostinho Clemente Gonçalves Neto morreu ontem em Vila Real de Santo António”. Contas feitas – coincidência das coincidências! – ele morreu aos 69 anos, naquela mesma hora em que na Madeira cinco colegas e amigos falavam da sua intensa acção pastoral!

         De tudo quanto se possa agora dizer, ressoa mais alto o galardão maior da sua personalidade: foi missionário dehoniano em terras de missão, em Madagáscar, entre 1984 e 2019.

         Aproveito o momento para tecer a distinta e merecida homenagem a esses homens e mulheres que deixaram tudo para entregar-se a um mundo inóspito, duro e perigoso, chamado Missão em África, Ásia, Oceânia e demais áreas do planeta. Conheci-os, alguns deles, em Cabo Delgado e na Zambézia, no dentro mais dentro da floresta. Admirei “in loco” o sacrifício e abnegação na forma como tratavam e viviam as privações, os dramas e as tragédias dos povos africanos a quem se dedicavam de corpo e alma. Em contrapartida, vi claramente  o carinho que as populações indígenas tributavam aos seus pastores, o sentido de posse, protecção e segurança que neles encontravam.

         É actualmente pomo de discórdia o papel dos missionários em terras de Além-Mar, já desde a descaracterização da cultura e fé dos seus ancestrais (o problema da inculturação exógena), já a subserviência política  da Missão aos Estados-emissores. No entanto, é inegável a mais valia social que as Missões levaram aos povos missionados, sob o ponto de vista da saúde, logística, habitação, escolas, higiene pública e privada. Honra perpétua a tantos e tão prestigiados obreiros da felicidade global!

         Certo é que o nosso país, em tempos de ditadura, usou os missionários como ´tropa avançada’ ao serviço da política vigente. O regime chamado de “Padroado”, concertado entre a Santa Sé e Portugal, deixou uma nódoa negra nesta cobiça de mais poder ditatorial à custa do poder religioso missionário. Certo é que o bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende, e o bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, foram expulsos de África, pelo governo de Oliveira Salazar. Motivo: lutar pela dignificação e pela Autonomia dos moçambicanos. Quem mais tarde restituiu a diocese de Nampula ao seu bispo legítimo foi precisamente Samora Machel, quando presidente de Moçambique. Nesta simbiose interpretativa da história, vejo no bispo de Nampula a reincarnação do grande missionário Padre António Vieira, no século XVII,  defensor acérrimo dos escravos índios do Brasil!

         No mesmo pódio do Padre Agostinho Clemente Gonçalves Neto coloco todos os homens e mulheres – de diversos estatutos e profissões - que continuam na esteira dos sonhadores e construtores de uma sociedade igualitária em direitos e deveres, seja qual a etnia ou continente a que pertençam. 

À Sociedade Dehoniana no Funchal,  à família do malogrado missionário residente no Jardim das Serra, particularmente ao Padre José Luís Rodrigues e ao Dr. Manuel Neto, os meus sentimentos mais profundos: o de luto pela sua partida e o de glória pelo seu percurso em terras de Madagáscar!

 

         13.Jul.22

         Martins Júnior

          

                                        

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