Deambulávamos
os cinco em saudável percurso pedonal, quando um deles traz ao nosso convívio o
nome de um padre madeirense do Estreito de Câmara de Lobos, (hoje, freguesia do
Jardim da Serra), de sobrenome Neto, a cuja missa e homilia assistira no
Algarve e às quais fez as melhores referências. “Parece-me que é seu primo” –
acrescentou, dirigindo-se ao Padre José Luís Rodrigues, connosco no grupo dos
cinco.
Passadas vinte e quatro horas, eis que
nos chega a infausta notícia: “O Padre Agostinho Clemente Gonçalves Neto morreu
ontem em Vila Real de Santo António”. Contas feitas – coincidência das
coincidências! – ele morreu aos 69 anos, naquela mesma hora em que na Madeira
cinco colegas e amigos falavam da sua intensa acção pastoral!
De tudo quanto se possa agora dizer,
ressoa mais alto o galardão maior da sua personalidade: foi missionário dehoniano
em terras de missão, em Madagáscar, entre 1984 e 2019.
Aproveito o momento para tecer a
distinta e merecida homenagem a esses homens e mulheres que deixaram tudo para
entregar-se a um mundo inóspito, duro e perigoso, chamado Missão em África,
Ásia, Oceânia e demais áreas do planeta. Conheci-os, alguns deles, em Cabo
Delgado e na Zambézia, no dentro mais dentro da floresta. Admirei “in loco” o sacrifício e abnegação na
forma como tratavam e viviam as privações, os dramas e as tragédias dos povos
africanos a quem se dedicavam de corpo e alma. Em contrapartida, vi
claramente o carinho que as populações
indígenas tributavam aos seus pastores, o sentido de posse, protecção e
segurança que neles encontravam.
É actualmente pomo de discórdia o papel
dos missionários em terras de Além-Mar, já desde a descaracterização da cultura
e fé dos seus ancestrais (o problema da inculturação exógena), já a
subserviência política da Missão aos Estados-emissores.
No entanto, é inegável a mais valia social que as Missões levaram aos povos
missionados, sob o ponto de vista da saúde, logística, habitação, escolas,
higiene pública e privada. Honra perpétua a tantos e tão prestigiados obreiros
da felicidade global!
Certo é que o nosso país, em tempos de
ditadura, usou os missionários como ´tropa avançada’ ao serviço da política
vigente. O regime chamado de “Padroado”, concertado entre a Santa Sé e
Portugal, deixou uma nódoa negra nesta cobiça de mais poder ditatorial à custa
do poder religioso missionário. Certo é que o bispo da Beira, D. Sebastião
Soares de Resende, e o bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, foram expulsos
de África, pelo governo de Oliveira Salazar. Motivo: lutar pela dignificação e
pela Autonomia dos moçambicanos. Quem mais tarde restituiu a diocese de Nampula
ao seu bispo legítimo foi precisamente Samora Machel, quando presidente de
Moçambique. Nesta simbiose interpretativa da história, vejo no bispo de Nampula
a reincarnação do grande missionário Padre António Vieira, no século XVII, defensor acérrimo dos escravos índios do
Brasil!
No mesmo pódio do Padre Agostinho Clemente
Gonçalves Neto coloco todos os homens e mulheres – de diversos estatutos e
profissões - que continuam na esteira dos sonhadores e construtores de uma
sociedade igualitária em direitos e deveres, seja qual a etnia ou continente a
que pertençam.
À
Sociedade Dehoniana no Funchal, à
família do malogrado missionário residente no Jardim das Serra, particularmente
ao Padre José Luís Rodrigues e ao Dr. Manuel Neto, os meus sentimentos mais
profundos: o de luto pela sua partida e o de glória pelo seu percurso em terras
de Madagáscar!
13.Jul.22
Martins
Júnior
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