segunda-feira, 25 de julho de 2022

RESPIGANDO SOBRE A “ACÇÃO CATÓLICA” NA MADEIRA – APOTEOSE E MORTE…

                                                                            


Porque o arco sempre tenso perde a sua elasticidade, aí está a silly season para nos deixar respirar sem esforço e alongar a vista sobre a paisagem dos dias – os de agora e os de outrora. Veio, pois, mesmo a calhar a sugestão de um amigo meu, activista dos anos 50-60 do século XX,  convictamente empenhado na divulgação dos valores humanos e cristãos, através de um dos mais dinâmicos  vectores da Igreja, a denominada “Acção Católica”, um movimento que deixou marcas indeléveis, na altura vanguardistas, e que ainda hoje perduram internacionalmente e no território nacional, menos na Madeira.

Recomendada pelo Papa Pio XI, em 1933, à hierarquia da Igreja em Portugal, presidida pelo Cardeal Cerejeira, a Acção Católica tinha por objectivo penetrar em todas as camadas sócio-económicas e culturais do país. Tal como os partidos políticos, a sua estratégia englobava militantes de vários níveis etários, por um lado, os mais novos – catalogados por J, Juventude – e, por outro, os adultos – sob a designação de L, Liga. Servindo-se das cinco vogais do alfabeto, os programadores oficiais da Igreja estabeleceram cinco variantes, coincidentes com as cinco vogais: JAC, JEC, JIC, JOC, JUC, que significavam, respectivamente, os jovens agrários, os jovens estudantes, os jovens independentes, os jovens operários e os jovens universitários.

Deixo aqui, porque assim me foi solicitado, o meu testemunho sobre a JAC em Machico. Daquilo que vi e vivi de muito perto, posso seguramente afirmar que a JAC constituiu uma epifania renovadora, não só a nível religioso, mas também no quadrante social da zona leste da Madeira. Numa época em que era evidente o deserto de instituições jovens organizadas (tenha-se em conta o regime castrador do Estado Novo) os jovens agrários, sob a tutela da JAC, davam nas vistas e abriam novos rumos no panorama imobilista de então.

Refira-se, desde logo, que os corifeus do Estado Novo não perderam tempo em assediar o movimento nascente na Igreja Portuguesa, puxando para a sua área política os principais militantes e dirigentes e, com eles, toda a massa associativa. Durante muitas décadas, a Acção Católica foi uma das frentes protegidas e, paradoxalmente, protectoras do regime. Tudo dependia dos padres assistentes. Em Machico, por exemplo, a JAC conheceu dois neo- sacerdotes, o Padre Maurílio de Gouveia (mais tarde, Arcebispo de Évora, já falecido)  e, sobretudo, o Padre Jardim Gonçalves, hoje com 90 anos de idade, residente em Lisboa.

É historicamente assinalável a presença deste jovem padre, como coadjutor em Machico, pelo esforço de aculturação e visão social da Igreja, até então fechada sobre si mesma. Conseguiu abrir mentalidades pioneiras  em jovens e adultos, através do contacto mais directo com a sociedade local. Muitos deles singraram na vida, graças ao espírito integrador e ‘empreendedor’  que, já então, cultivavam, sob influência do grande pedagogo e seu assistente Jardim Gonçalves. Recordo-me de uma emocionante peça de teatro , “O Filho Pródigo”, representada na sede da JAC, à Rua do Ribeirinho, que ele próprio encenou e, no papel de ‘Pai’, contracenou com os restantes ‘actores’, jovens rurais.

Mais tarde, por mais incrível que agora me pareça, nas antigas instalações do ‘Engenho de Machico’, mais precisamente no largo onde os agricultores descarregavam a cana sacarina, consegui pôr em palco, sob a égide da JAC,  a peça clássica de Sófocles, “Èdipo-Rei”, a mesma que, meses antes, havia sido representada por nós, seminaristas no Seminário do Funchal. O imprevisível (e por onde se atesta a vitalidade cultural da JAC) é que os actores amadores eram todos jovens, uns do perímetro urbano da Vila, outros oriundos da ruralidade profunda.

Ao descrever que a Acção Católica foi uma forte ‘assessora’ do Estado Novo, não posso deixar de, com o mesmo respeito pela verdade histórica, testemunhar que das fileiras desse movimento católico, sobretudo da JOC, Juventude Operária, emergiram quadros militantes das causas sociais e, embora clandestinamente, opositores políticos ao regime, de certo modo precursores do “25 de Abril” de 1974.

A este propósito, ocorre-me à memória um episódio inesquecível, revelador do que acabo de referir. Decorria uma dessas reuniões da LAC, Liga Agrária Católica, a dos adultos, numa das salas da ‘Quinta Santana’, a escola dirigida pelas freiras da Congregação das Missionárias Franciscanas de Maria, da Irmã Mary Wilson.   Eis senão quando, estando a assembleia em oração, irrompem dois agentes da ‘Pide’, a tenebrosa polícia política de Salazar, deixando todos os presentes em alvoroço, transidos de medo.  .Escusado será dizer que nunca mais se realizaram essas reuniões periódicas.

A Acção Católica na Madeira finou-se às portas do “25 de Abril de 1974”.  Dito assim, poderá pensar-se que foi decisão anti-clerical do MFA, Movimento das Forças Armadas, ou similares. Mas não. Manda a verdade dizer que quem matou e enterrou a Acção Católica Madeirense, sobretudo as suas organizações juvenis, foi um bispo, aliado confesso do regime deposto – o bispo Francisco Antunes Santana -  após a sua entrada  como bispo do Funchal, em 18 de Março de 1974. Sem mais comentários.

Não obstante todos os percalços e oscilações, a JAC – ramo juvenil da Acção Católica Portuguesa – foi na Madeira e, decisivamente, em Machico, um grande passo na evolução sócio-cultural e religiosa dos jovens deste concelho, cujo tributo nunca será suficientemente reconhecido, particularmente ao seu grande e valoroso Assistente, Padre Agostinho Jardim Gonçalves, mais tarde Assistente Internacional da JOC, Juventude Operária Católica.

Ao amigo e empenhado activista dos valores humano-cristãos,, José Fagundes, os meus parabéns pelo seu esforço de investigação e divulgação da génese e dos feitos da Acção Católica, da qual foi um autêntico ‘apóstolo paulino’ no panorama católico da Madeira. E a todos quantos ainda persistem em restaurar, se não em corpo, ao menos  no seu espírito e essência, a raiz e o tronco da Acção Católica, o meu apoio e elevada consideração!  

25.Jul.22

Martins Júnior

 

1 comentário:

  1. Cheguei a participar em reuniões da J.A.C bem depois dessa data...... Infelizmente, são movimentos em que faltam sacerdotes com vc....

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