Porque
o arco sempre tenso perde a sua elasticidade, aí está a silly season para nos deixar respirar sem esforço e alongar a vista
sobre a paisagem dos dias – os de agora e os de outrora. Veio, pois, mesmo a
calhar a sugestão de um amigo meu, activista dos anos 50-60 do século XX, convictamente empenhado na divulgação dos
valores humanos e cristãos, através de um dos mais dinâmicos vectores da Igreja, a denominada “Acção
Católica”, um movimento que deixou marcas indeléveis, na altura vanguardistas,
e que ainda hoje perduram internacionalmente e no território nacional, menos na
Madeira.
Recomendada
pelo Papa Pio XI, em 1933, à hierarquia da Igreja em Portugal, presidida pelo
Cardeal Cerejeira, a Acção Católica tinha por objectivo penetrar em todas as
camadas sócio-económicas e culturais do país. Tal como os partidos políticos, a
sua estratégia englobava militantes de vários níveis etários, por um lado, os
mais novos – catalogados por J, Juventude – e, por outro, os adultos – sob a
designação de L, Liga. Servindo-se das cinco vogais do alfabeto, os programadores
oficiais da Igreja estabeleceram cinco variantes, coincidentes com as cinco
vogais: JAC, JEC, JIC, JOC, JUC, que significavam, respectivamente, os jovens agrários,
os jovens estudantes, os jovens independentes, os jovens operários e os jovens
universitários.
Deixo
aqui, porque assim me foi solicitado, o meu testemunho sobre a JAC em Machico.
Daquilo que vi e vivi de muito perto, posso seguramente afirmar que a JAC
constituiu uma epifania renovadora, não só a nível religioso, mas também no
quadrante social da zona leste da Madeira. Numa época em que era evidente o
deserto de instituições jovens organizadas (tenha-se em conta o regime
castrador do Estado Novo) os jovens agrários, sob a tutela da JAC, davam nas
vistas e abriam novos rumos no panorama imobilista de então.
Refira-se,
desde logo, que os corifeus do Estado Novo não perderam tempo em assediar o movimento
nascente na Igreja Portuguesa, puxando para a sua área política os principais militantes
e dirigentes e, com eles, toda a massa associativa. Durante muitas décadas, a
Acção Católica foi uma das frentes protegidas e, paradoxalmente, protectoras do
regime. Tudo dependia dos padres assistentes. Em Machico, por exemplo, a JAC
conheceu dois neo- sacerdotes, o Padre Maurílio de Gouveia (mais tarde,
Arcebispo de Évora, já falecido) e,
sobretudo, o Padre Jardim Gonçalves, hoje com 90 anos de idade, residente em
Lisboa.
É
historicamente assinalável a presença deste jovem padre, como coadjutor em
Machico, pelo esforço de aculturação e visão social da Igreja, até então
fechada sobre si mesma. Conseguiu abrir mentalidades pioneiras em jovens e adultos, através do contacto mais
directo com a sociedade local. Muitos deles singraram na vida, graças ao
espírito integrador e ‘empreendedor’ que,
já então, cultivavam, sob influência do grande pedagogo e seu assistente Jardim
Gonçalves. Recordo-me de uma emocionante peça de teatro , “O Filho Pródigo”,
representada na sede da JAC, à Rua do Ribeirinho, que ele próprio encenou e, no
papel de ‘Pai’, contracenou com os restantes ‘actores’, jovens rurais.
Mais
tarde, por mais incrível que agora me pareça, nas antigas instalações do ‘Engenho
de Machico’, mais precisamente no largo onde os agricultores descarregavam a
cana sacarina, consegui pôr em palco, sob a égide da JAC, a peça clássica de Sófocles, “Èdipo-Rei”, a
mesma que, meses antes, havia sido representada por nós, seminaristas no
Seminário do Funchal. O imprevisível (e por onde se atesta a vitalidade
cultural da JAC) é que os actores amadores eram todos jovens, uns do perímetro
urbano da Vila, outros oriundos da ruralidade profunda.
Ao
descrever que a Acção Católica foi uma forte ‘assessora’ do Estado Novo, não
posso deixar de, com o mesmo respeito pela verdade histórica, testemunhar que
das fileiras desse movimento católico, sobretudo da JOC, Juventude Operária,
emergiram quadros militantes das causas sociais e, embora clandestinamente,
opositores políticos ao regime, de certo modo precursores do “25 de Abril” de
1974.
A
este propósito, ocorre-me à memória um episódio inesquecível, revelador do que
acabo de referir. Decorria uma dessas reuniões da LAC, Liga Agrária Católica, a
dos adultos, numa das salas da ‘Quinta Santana’, a escola dirigida pelas
freiras da Congregação das Missionárias Franciscanas de Maria, da Irmã Mary
Wilson. Eis senão quando, estando a assembleia em oração,
irrompem dois agentes da ‘Pide’, a tenebrosa polícia política de Salazar,
deixando todos os presentes em alvoroço, transidos de medo. .Escusado será dizer que nunca mais se
realizaram essas reuniões periódicas.
A
Acção Católica na Madeira finou-se às portas do “25 de Abril de 1974”. Dito assim, poderá pensar-se que foi decisão
anti-clerical do MFA, Movimento das Forças Armadas, ou similares. Mas não.
Manda a verdade dizer que quem matou e enterrou a Acção Católica Madeirense,
sobretudo as suas organizações juvenis, foi um bispo, aliado confesso do regime
deposto – o bispo Francisco Antunes Santana - após a sua entrada como bispo do Funchal, em 18 de Março de
1974. Sem mais comentários.
Não
obstante todos os percalços e oscilações, a JAC – ramo juvenil da Acção
Católica Portuguesa – foi na Madeira e, decisivamente, em Machico, um grande
passo na evolução sócio-cultural e religiosa dos jovens deste concelho, cujo
tributo nunca será suficientemente reconhecido, particularmente ao seu grande e
valoroso Assistente, Padre Agostinho Jardim Gonçalves, mais tarde Assistente Internacional
da JOC, Juventude Operária Católica.
Ao
amigo e empenhado activista dos valores humano-cristãos,, José Fagundes, os
meus parabéns pelo seu esforço de investigação e divulgação da génese e dos
feitos da Acção Católica, da qual foi um autêntico ‘apóstolo paulino’ no
panorama católico da Madeira. E a todos quantos ainda persistem em restaurar,
se não em corpo, ao menos no seu
espírito e essência, a raiz e o tronco da Acção Católica, o meu apoio e elevada
consideração!
25.Jul.22
Martins Júnior
Cheguei a participar em reuniões da J.A.C bem depois dessa data...... Infelizmente, são movimentos em que faltam sacerdotes com vc....
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