domingo, 17 de julho de 2022

EM BUSCA DO SILÊNCIO PERDIDO … “FAÇAM BARULHO” !!!

                                                                                 


Estava eu onde nunca quis estar – e onde nunca estarei – outros também ali estavam como inquilinos solúveis com o tempo. Todos eles liam com uma saudade incontida e devoravam as folhas de um tal Marcel Proust: À la recherche du temps perdu”. Da minha parte, prisioneiro entre quatro tábuas caiadas de alvaiade ‘pálida e fria’, ouvi alguém abrir o LIVRO deste domingo e decifrar aquele dilema de duas irmãs, Marta e Maria. A  primeira, assoberbada de trabalho, turbinada na acção febril da casa; a outra, em silêncio envolvente, escutava as palavras do doce Nazareno. E memorizei a  fala apaziguadora do Mestre entre a dissensão doméstica das duas irmãs: ”Marta, não te aflijas tanto, a tua irmã Maria escolheu a melhor pate” do dia e da vida. (Lc. 10, 42).

Foi então que me dei conta da discrepância entre mim e os partilhantes vicinais do mesmo apartamento: Enquanto eles suspiravam pelo tempo perdido, eu só pensava em voltar ao mundo em busca do silêncio perdido.

Do turbilhão tumultuoso dos dias, nem sombra de memória. Nem das trombetas das vitórias, nem do troar dos canhões portadores das derrotas. Sumido na caverna de Platão, atirei para fora dela a barafunda de outrora, as pulsões do instante, os ventos cruzados, suicidas, em que eu próprio fui tantas vezes protagonista – como outras tantas réu inconformado. Só me inundava a saudade dos silêncios perdidos.

E voltei ao mundo. A mesma agitação sem rumo, a mesma entropia atómica, generalizada, as mesmas fugas: fugas da realidade exógena, fugas do tronco endógeno, desvarios de fora, anomalias de dentro. Descobri que o homem-mulher é um ser comido, triturado pela buldózer do tempo. Comido pelos poderosos, assediado pelos media, esventrado pelos políticos e pelos dogmas ditos religiosos e seus corifeus. Somos o joguete de quem nunca sonhámos ser. E nem damos por isso! Enfim, escravos dos tempos perdidos, do passado,  do presente e dos tempos a perder - os tempos futuros.

“Façam barulho” – e nós, os pacóvios simiescos, aplaudimos!

Neste ribombo infrene em que estamos forçosamente jogados, o que mais falta faz é voltar à liberdade dos silêncios perdidos. E recuperados. Para serem reprodutivos, multiplicados, seja lá onde for.

Silêncio permutado em flores e frutos da terra, com o do homem camponês, lavrando e cavando  na paz operante da montanha, de cuja sorte bem invejava o poeta Virgílio, nas suas inspiradas ‘Éclogas’: Oh Fortunate Senex!

Silêncio vigilante como o do homem do leme, entre mar e céu,  perscrutando os horizontes e deles recebendo o astrolábio navegante.

Silêncio criador, como o da Gruta de Macau, onde Camões completou a Magna Epopeia do Povo Lusíada.

E silêncio catártico, ascensional dos místicos, como o de João da Cruz e Teresa de Ávila.

Como o silêncio purificador das chamas que tornarão meu corpo em volutas de incenso-cinza naquele voo directo, para não mais voltar às quatro tábuas caiadas da cor alvaiade ‘pálida e fria’.

Enquanto é tempo, ganhar os tempos do silêncio perdido! No alto da serra ou nas profundezas do mar imaginário. Ou até mesmo na vozearia anárquica da grande multidão.

  

17.Jul.22

Martins Júnior

1 comentário: