quarta-feira, 27 de julho de 2022

O ÚNICO SOBERANO COLONIZADOR QUE PEDE PERDÃO AOS COLONIZADOS…

                                                                       


Pela primeira vez relevo a nomenclatura híbrida do Papa de Roma, situando-o no trono que Benito Mussolini lhe outorgou, pelo Tratado De Latrão, de 11 de Fevereiro de 1929: o de monarca de um país, minúsculo embora, mas a todos os títulos dotado de soberania autónoma. Discordando terminantemente desta estranha e explosiva simbiose – entidade bicéfala saída do mesmo tronco e na mesma pessoa – apraz-me vê-lo assim, sobretudo nesta viagem ao Canadá, porque o que está em primeiro e último plano é o pedido de desculpa ao Povo Indígena pelas “atrocidades e pelas graves injustiças perpetradas pelo colonialismo contra a cultura e a sobrevivência desse Povo”.

         Não adianta dourar a pílula, porque no acto de contrição do Papa Francisco está bem patente a Igreja, como parceira conivente, identificada com a fatídica realidade denunciada pelo Papa: o colonialismo. Tive o cuidado de, em epígrafe, cognominar eufemisticamente  o Representante Máximo da Igreja Católica como “Soberano colonizador”, em vez de “Super-monarca colonialista”, porque, bem vistas as coisas e os efeitos delas, a Igreja aliando-se ao poder temporal dos reis na colonização dos territórios ocupados foi ela mesma ainda mais além: colonizou as mentes, as culturas, direi mesmo, as próprias almas. Daí que é maior e mais estrénua a sua responsabilidade, razões redobradas para a sobre-humana atitude pontifícia em pedir perdão às gerações canadienses de ontem e de hoje. Em termos teológicos, diríamos que “onde abundou o pecado, superabundou a Graça”.

         Não será difícil descortinar nas palavras do Papa Francisco o eco do incontornável sociólogo, Josué de Castro, no seu corajoso e inquietante livro Sete Palmos de terra e um caixão (1965, Ed. ‘Seara Nova), um ensaio sobre o Nordeste Brasileiro: “As coisas devem ser mostradas como elas são, na sua dura e crua realidade, sempre as duas faces da medalha: a face boa e a face má. A que nos enche de orgulho e a que nos mata de vergonha. É preciso evitar que aconteça com o Nordeste o que costuma a acontecer em seguida às grandes descobertas: a tendência à disseminação pelos quatro cantos da Terra de um mundo de lendas, em lugar de factos, servindo à formação de uma falsa imagem das terras e dos povos colonizados. Isto é tanto mais perigoso quando vivemos numa era de ‘slogans’, dos ‘slogans jornalísticos’…

          É esta atitude eminentemente científica, pastoralmente pedagógica, que tem pautado toda a vida deste “Homem que veio do fim do mundo”, como ele próprio se identificou. Tem sido sobejamente divulgada a matéria de vergonhosos factos imputáveis à Instituição Eclesiástica no Canadá, na América Latina, nas Áfricas, em todos os cantos do mundo onde chegou o colonialismo europeu. O de Portugal também. O super-soberano colonizador, sediado em Roma, carrega nos ombros frágeis as culpas de crimes que ele nunca ousaria praticar contra vítimas que, ainda hoje, sofrem na pele e no espírito as feridas dos tempos de criança, exploradas e empurradas para as chamadas ‘escolas residenciais’, de malfadada memória. Por muito que nos estremeça, Putin obriga actualmente milhares de refugiados a seguirem para a Rússia…

         Ao lado, porém, desta noite negra, há lampejos de verdadeira cultura autóctone que muitos missionários acenderam nesses longínquos territórios. E isso aí é de erguer bem alto como a bandeira do compromisso de distintos e sacrificados membros da Igreja em prol do Indigenato de todos os continentes, entre os quais o nosso Padre António Vieira, precisamente no Nordeste Brasileiro.

         Embora não apague “o rasto viscoso e sujo” de outras eras, a atitude do Papa Francisco ergue-se como “o arco de uma nova ponte” para novos dias ou, como ele próprio disse, um verdadeiro “recomeço”.

         Quantos governantes terão a coragem de ir bater à porta-lugar do crime e aí pedir perdão das atrocidades colonialistas cometidas contra gentes lá longe, mas com a mesma dignidade dos de perto?!...

Quantos hierarcas – bispos, presbíteros e afins – serão capazes de seguir as pegadas do Papa Francisco e penitenciar-se diante das vítimas  dos abusos de poder praticados sob a bênção da cruz peitoral ?!...

 

27.Jul.22

Martins Júnior

     

2 comentários:

  1. NOMEAÇÕES PASTORAIS: JÁ HÁ SUCESSOR PARA O PADRE MARTINS JÚNIOR NA RIBEIRA SECA
    (Título do |jornal da madeira) a todos os títulos inconveniente...)

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  2. Cada época é diferente da outra...... O Padre vieira protegia os índios, mas dizia que a revolução quilombola destruiria o Brasil.... Vai lá saber!

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