Pela
primeira vez relevo a nomenclatura híbrida do Papa de Roma, situando-o no trono
que Benito Mussolini lhe outorgou, pelo Tratado De Latrão, de 11 de Fevereiro
de 1929: o de monarca de um país, minúsculo embora, mas a todos os títulos
dotado de soberania autónoma. Discordando terminantemente desta estranha e
explosiva simbiose – entidade bicéfala saída do mesmo tronco e na mesma pessoa –
apraz-me vê-lo assim, sobretudo nesta viagem ao Canadá, porque o que está em
primeiro e último plano é o pedido de desculpa ao Povo Indígena pelas “atrocidades
e pelas graves injustiças perpetradas pelo colonialismo contra a cultura e a
sobrevivência desse Povo”.
Não adianta dourar a pílula, porque no
acto de contrição do Papa Francisco está bem patente a Igreja, como parceira conivente,
identificada com a fatídica realidade denunciada pelo Papa: o colonialismo. Tive
o cuidado de, em epígrafe, cognominar eufemisticamente o Representante Máximo da Igreja Católica como
“Soberano colonizador”, em vez de “Super-monarca colonialista”, porque, bem
vistas as coisas e os efeitos delas, a Igreja aliando-se ao poder temporal dos
reis na colonização dos territórios ocupados foi ela mesma ainda mais além:
colonizou as mentes, as culturas, direi mesmo, as próprias almas. Daí que é
maior e mais estrénua a sua responsabilidade, razões redobradas para a sobre-humana
atitude pontifícia em pedir perdão às gerações canadienses de ontem e de hoje.
Em termos teológicos, diríamos que “onde abundou o pecado, superabundou a Graça”.
Não será difícil descortinar nas palavras
do Papa Francisco o eco do incontornável sociólogo, Josué de Castro, no seu
corajoso e inquietante livro Sete Palmos
de terra e um caixão (1965, Ed. ‘Seara Nova), um ensaio sobre o Nordeste
Brasileiro: “As coisas devem ser mostradas como elas são, na sua dura e crua
realidade, sempre as duas faces da medalha: a face boa e a face má. A que nos
enche de orgulho e a que nos mata de vergonha. É preciso evitar que aconteça
com o Nordeste o que costuma a acontecer em seguida às grandes descobertas: a
tendência à disseminação pelos quatro cantos da Terra de um mundo de lendas, em
lugar de factos, servindo à formação de uma falsa imagem das terras e dos povos
colonizados. Isto é tanto mais perigoso quando vivemos numa era de ‘slogans’,
dos ‘slogans jornalísticos’…
É
esta atitude eminentemente científica, pastoralmente pedagógica, que tem
pautado toda a vida deste “Homem que veio do fim do mundo”, como ele próprio se
identificou. Tem sido sobejamente divulgada a matéria de vergonhosos factos
imputáveis à Instituição Eclesiástica no Canadá, na América Latina, nas
Áfricas, em todos os cantos do mundo onde chegou o colonialismo europeu. O de
Portugal também. O super-soberano colonizador, sediado em Roma, carrega nos
ombros frágeis as culpas de crimes que ele nunca ousaria praticar contra
vítimas que, ainda hoje, sofrem na pele e no espírito as feridas dos tempos de
criança, exploradas e empurradas para as chamadas ‘escolas residenciais’, de
malfadada memória. Por muito que nos estremeça, Putin obriga actualmente
milhares de refugiados a seguirem para a Rússia…
Ao lado, porém, desta noite negra, há
lampejos de verdadeira cultura autóctone que muitos missionários acenderam
nesses longínquos territórios. E isso aí é de erguer bem alto como a bandeira
do compromisso de distintos e sacrificados membros da Igreja em prol do Indigenato
de todos os continentes, entre os quais o nosso Padre António Vieira,
precisamente no Nordeste Brasileiro.
Embora não apague “o rasto viscoso e
sujo” de outras eras, a atitude do Papa Francisco ergue-se como “o arco de uma
nova ponte” para novos dias ou, como ele próprio disse, um verdadeiro “recomeço”.
Quantos governantes terão a coragem de ir
bater à porta-lugar do crime e aí pedir perdão das atrocidades colonialistas
cometidas contra gentes lá longe, mas com a mesma dignidade dos de perto?!...
Quantos
hierarcas – bispos, presbíteros e afins – serão capazes de seguir as pegadas do
Papa Francisco e penitenciar-se diante das vítimas dos abusos de poder praticados sob a bênção da
cruz peitoral ?!...
27.Jul.22
Martins Júnior
NOMEAÇÕES PASTORAIS: JÁ HÁ SUCESSOR PARA O PADRE MARTINS JÚNIOR NA RIBEIRA SECA
ResponderEliminar(Título do |jornal da madeira) a todos os títulos inconveniente...)
Cada época é diferente da outra...... O Padre vieira protegia os índios, mas dizia que a revolução quilombola destruiria o Brasil.... Vai lá saber!
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