Ficaria incompleta e obscura a petição inscrita no penúltimo blog se lhe não juntasse o reverso do mesmo apelo, vezes milhentas repetido à Divindade e, por isso, irritante e fastidioso: ‘Ouvi-nos, escutai-nos, atendei-nos’…
Sei
que o assunto não interessará, talvez, à grande maioria dos transeuntes da
vida, mesmo crentes, mas não resisto a
expô-lo, dado que foi uma das conclusões de um retiro pensado, interiorizado,
mais que um retiro pregado. E a conclusão é esta: grande parte das nossas
preces, massivamente a chamada “Oração Universal dos Fiéis” – sublinhada com o
importuno refrão Ouvi-nos, Escutai-nos – não
passa de um exercício de inversão de conteúdos e transferência de responsabilidades.
Somos tão lestos a pedir a Deus que nos oiça e somos `tão vadios e surdos para
ouvir a resposta do mesmo Deus.
Por
quem é que ardorosamente pedimos na dita “Oração Universal”:
Pela
paz no mundo, na Ucrânia, na Rússia, no Ruanda, etc. –Ouviste, Senhor, ou andarás distraído?...
E
o Senhor responde:
Que tenho eu a ver com as
guerras dos homens? Já não sou o judaico “Deus dos Exércitos”. Não tenho paióis
nem fabrico armamento. Não me convidam para as Grandes Cimeiras do G7. Isso é
convosco!
Alguém
ouviu? Parece que não. Mas insistimos:
Pelos nossos governantes
para que governem na paz e na justiça social, etc., etc..
E
o Senhor responde:
Mas isso não é comigo. É
com o povo que vota neles, é com os lobistas da opinião pública. Não sou presidente
de nenhum país nem sou Secretário-Geral da ONU. Também não sou o Putin nem o
pérfido patriarca Kirilos que lhe abençoa
os mísseis. Nem sequer tenho
direito a voto. Isso é convosco, só convosco.
Alguém
ouviu? Parece que não. Mas voltamos à carga:
Pelos pobres que passam
fome, pelos sem-abrigo, pelas crianças abandonadas, bá, blá, blá… Ouvi-nos, Senhor.
E
o Senhor responde;
E de quem é a culpa?
Minha não é. Onde estão as políticas para as famílias, onde estão os
parlamentos, os fazedores de leis, os executivos? Eles vivem aí no meio de vós.
Exijam maior justiça distributiva. É convosco, não é da minha jurisdição.
Se alguém ouviu, fez
ouvidos de mercador. Mas não desistiu de cena. E rezou muito, cada vez mais
alto:
Pelos padres, pelos cardeais,
pelos bispos, para que preguem o evangelho, para que se voltem para os pobres e
não dêem mais escândalos e… amen, amen, amen… Ouvi-nos,
mais uma e mil vezes escutai-nos.
Falai com eles – tacitamente
responde o Senhor – chamai-os à atenção
e, sendo caso disso, puni-os. Eu não tenho prisões eclesiásticas, mas eles têm os
profetas e a lei, têm o Papa Francisco que tem feito o retorno ao Evangelho de
Jesus. Sigam-no. Sou o elo mais fraco no meio de tudo isto. O Povo de Deus é
que deve assumir o compromisso de uma Igreja santa, transparente.
Muitos
são os episódios desta encenação teatral que pretende mudar o mundo obrigando
Deus a intervir directamente no desconcerto da humanidade. E assiste-se
presunçosamente a esta contradição: pretendemos
abrir os ouvidos de Deus às nossas propostas e fechamos os nossos às propostas
de Deus.
Esta
atitude reiterada configura-se com a aplicação da ‘lei do menor esforço’ à prática
religiosa. Mas será mais, muito mais: é a própria inércia pietista, uma práxis
hipócrita de exercer a Fé que torna a denominada “Oração Universal” uma fuga
para a frente, mas que não deixa de ser um elogio à cobardia farisaica de
endossar tudo a Deus, como se Ele fosse o culpado de todo o mal que existe no
mundo. E nós, os crentes, ficamos felizes por enviar uma tão pesada mensagem ao
destinatário errado. Porque o destinatário somos nós, construtores de um Mundo
Melhor.
Perdoa-nos,
Senhor.
Estejam
os nossos ouvidos atentos à Vossa Palavra!
Como
Jeanne d’Arc, António Vieira, Luther King, Gandhi, Mandela!
11.Jul.22
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