Dos
doze “23 em 23” que ocorrerão neste ano que começa, este é o primeiro. E é do
cimo desta cúpula que vou avistar e descrever a paisagem que me deixou parado e
absorto no último blog, justamente o
epílogo de uma saga de 600 anos de Natais e de História da Ribeira Seca.
Após um estendal polícromo, em que tudo
aconteceu - desde o grau infra-zero das condições mínimas de habitabilidade
(sem água, sem luz, sem estradas nem assistência médica) até às hostilidades
perpetradas pelo poder político regional e pela diocese, em estreito conluio
contra uma população rural e indefesa – chegaram, enfim, os alvores de uma nova
era de respiração social e de uma autonomia local, no sentido mais genuíno
deste conceito. Foram dois os momentos altos que, muito em síntese, passo a
descrever.
O
CARRILHÃO DA TORRE E A REQUALIFICAÇÃO DO TEMPLO – 1999
Volvidos
40 anos sobre o templo-sede, construído a pulso pela população residente,
confrontámo-nos com a necessidade de reformular o edifício primitivo, tanto na
capacidade como na estética e na logística essencial, tornando-o um espaço mais
amplo, saudável, onde a luz totalmente indirecta convida à introspecção e à
oração, facilitadas pela extrema sobriedade de motivos decorativos (a igreja
não é um museu de pintura ou escultura), privilegiando-se a efígie do ‘Grande’
Padre Mário Tavares Figueira, inesquecível colaborador, enquanto viveu, do
Povo de Deus da Ribeira Seca.
Mas o
grande monumento que o Povo ergueu foi o novo torreão, onde se instalou o carrilhão
e o relógio. Instrumentos singelos, comuns a todos os templos, portanto, sem
direito a referências-extra, se outros poderes não lhes tivessem movido guerra
- uma guerra abjecta, se considerarmos a sua origem. Porque foi do Prelado da
diocese que tudo partiu, o mesmo bispo que ‘co-mandou’ o assalto da PSP ao
templo em 1985. Em poucas palavras: fez-se o contrato verbal com a maior
empresa portuguesa da especialidade, sediada em Braga. Durante seis meses,
nenhuma resposta tivemos às mensagens, telefonemas, cartas, enviadas à empresa,
após o que nos deslocámos pessoalmente a Braga e aí ouvimos a justificação: “O
Senhor Bispo proibiu-nos de montar o carrilhão na torre da Ribeira Seca. E se o
fizéssemos, rescindiria todos os contratos já feitos com outras igrejas da
Madeira”. Voltámo-nos para outra empresa, em Avintes, região do Grande Porto, em articulação com um outro industrial de
Barcelos. Esquecendo os muitos percalços, despesas e constrangimentos
inenarráveis, o torreão recebeu garbosamente o respectivo carrilhão que até
hoje tem enchido de canções festivas todo o nosso vale. Enquanto os sinos
repicavam os alleluias pascais, o Povo cantava o refrão que ficou gravado em CD:
Não se deve nada ao bispo
E
ao governo nem pensar
Dizemos
a todo o mundo
Esta
é uma Igreja Popular
NEM
JULGAMENTO NEM AMNISTIA – UMA FICÇÃO NEM JURÍDICA NEM CANÓNICA – 2019
Finis coronat opus –
é o que se pode modestamente dizer da última efeméride inscrita em pedra roliça
da Ilha no ‘Chão Sagrado’ do logradouro público da Ribeira Seca. Traduzindo – O fim coroa a Obra – afirma-se a
revogação pura e simples de um processo sem o mínimo da tramitação jurídica e
do princípio geral do Direito (o direito ao contraditório). Justifica-se,
portanto, este acontecimento como a joia final de todo um percurso representado
pelas mãos de jovens e adultos no palco aberto da sua terra.
Por tratar-se de um verdadeiro study case, tanto a nível da Justiça
como da Teologia-Religião, ficarão aqui apenas ligeiros traços cronológicos de
uma tragicomédia eclesiástica que merecerá, por certo, um debruçamento mais
aprofundado dos analistas jurídico-canónicos.
Tudo começou em 1974, quando o Prelado
diocesano de então retirou ao pároco (subscritor destas linhas) a jurisdição da
igreja da Ribeira Seca sem justificação minimamente atendível e com a qual a
população não concordou. Daí em diante, nem esse bispo nem nenhum outro
visitaram aquela paróquia, nem para administrar o Crisma. Em 1977, o mesmo
titular da diocese decide suspender a
divinis o referido pároco em cerimónia pública realizada na matriz de
Machico. A opinião publicada martelou repetidamente o cérebro dos madeirenses,
permeando a notícia que o visado exercia funções políticas, mas está sobejamente
provado que nem era deputado nem presidente de Câmara. Foi, isso sim, uma
decisão unilateral, estritamente política, por parte do Prelado, aliado
indisfarçável do governo regional.
Os
seus sucessores mantiveram o mesmo libelo acusatório, sabendo que não havia
qualquer fundamento jurídico-canónico, tendo até sofrido um notório desaire
aquando da acção intentada no tribunal judicial de Santa Cruz, Madeira.
Chegou,
alfim, o ano de 2019, altura em que o novo Prelado, revogou todo um passado, iter horribilis, restituindo a paz não
só ao Povo da Ribeira Seca, mas a toda a população madeirense inconformada com
uma mancha que faltava reparar, um atentado contra uma parcela do Povo de Deus
sem outro crime senão o de manter a sua Fé viva no Evangelho, juntamente com o
seu pastor e companheiro de viagem, o qual nunca abandonou a gente firme e
solidária.
Assim,
de forma simples, descritiva e modesta, para memória futura, encerro a
trajectória de 600 anos compendiados nos motivos natalícios (já retirados) do
palco aberto da Ribeira Seca, mas engastados para sempre nas lajes do adro e
nos calhaus roliços, de uma brancura que nos toca, onde sobressai a canção de
1985:
Este chão é um Chão Sagrado
Onde cantámos Vitória
23.Jan.23
Martins
Júnior
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