segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

“23 EM 23” – A CÚPULA

                                                                              


Dos doze “23 em 23” que ocorrerão neste ano que começa, este é o primeiro. E é do cimo desta cúpula que vou avistar e descrever a paisagem que me deixou parado e absorto no último blog, justamente o epílogo de uma saga de 600 anos de Natais e de História da Ribeira Seca.

         Após um estendal polícromo, em que tudo aconteceu - desde o grau infra-zero das condições mínimas de habitabilidade (sem água, sem luz, sem estradas nem assistência médica) até às hostilidades perpetradas pelo poder político regional e pela diocese, em estreito conluio contra uma população rural e indefesa – chegaram, enfim, os alvores de uma nova era de respiração social e de uma autonomia local, no sentido mais genuíno deste conceito. Foram dois os momentos altos que, muito em síntese, passo a descrever.

         O CARRILHÃO DA TORRE E A REQUALIFICAÇÃO DO TEMPLO – 1999

         Volvidos 40 anos sobre o templo-sede, construído a pulso pela população residente, confrontámo-nos com a necessidade de reformular o edifício primitivo, tanto na capacidade como na estética e na logística essencial, tornando-o um espaço mais amplo, saudável, onde a luz totalmente indirecta convida à introspecção e à oração, facilitadas pela extrema sobriedade de motivos decorativos (a igreja não é um museu de pintura ou escultura), privilegiando-se a efígie do ‘Grande’ Padre Mário Tavares Figueira,  inesquecível colaborador, enquanto viveu, do Povo de Deus da Ribeira Seca.

             Mas o grande monumento que o Povo ergueu foi o novo torreão, onde se instalou o carrilhão e o relógio. Instrumentos singelos, comuns a todos os templos, portanto, sem direito a referências-extra, se outros poderes não lhes tivessem movido guerra - uma guerra abjecta, se considerarmos a sua origem. Porque foi do Prelado da diocese que tudo partiu, o mesmo bispo que ‘co-mandou’ o assalto da PSP ao templo em 1985. Em poucas palavras: fez-se o contrato verbal com a maior empresa portuguesa da especialidade, sediada em Braga. Durante seis meses, nenhuma resposta tivemos às mensagens, telefonemas, cartas, enviadas à empresa, após o que nos deslocámos pessoalmente a Braga e aí ouvimos a justificação: “O Senhor Bispo proibiu-nos de montar o carrilhão na torre da Ribeira Seca. E se o fizéssemos, rescindiria todos os contratos já feitos com outras igrejas da Madeira”. Voltámo-nos para outra empresa, em Avintes, região do Grande Porto,  em articulação com um outro industrial de Barcelos. Esquecendo os muitos percalços, despesas e constrangimentos inenarráveis, o torreão recebeu garbosamente o respectivo carrilhão que até hoje tem enchido de canções festivas todo o nosso vale. Enquanto os sinos repicavam os alleluias pascais, o Povo cantava o refrão que ficou  gravado em CD:

                                      Não se deve nada ao bispo

                                      E ao governo nem pensar

                                      Dizemos a todo o mundo

                                      Esta é uma Igreja Popular    

           

         NEM JULGAMENTO NEM AMNISTIA – UMA FICÇÃO NEM JURÍDICA NEM CANÓNICA – 2019

         Finis coronat opus – é o que se pode modestamente dizer da última efeméride inscrita em pedra roliça da Ilha no ‘Chão Sagrado’ do logradouro público da Ribeira Seca. Traduzindo – O fim coroa a Obra – afirma-se a revogação pura e simples de um processo sem o mínimo da tramitação jurídica e do princípio geral do Direito (o direito ao contraditório). Justifica-se, portanto, este acontecimento como a joia final de todo um percurso representado pelas mãos de jovens e adultos no palco aberto da sua terra.

         Por tratar-se de um verdadeiro study case, tanto a nível da Justiça como da Teologia-Religião, ficarão aqui apenas ligeiros traços cronológicos de uma tragicomédia eclesiástica que merecerá, por certo, um debruçamento mais aprofundado dos analistas jurídico-canónicos.

         Tudo começou em 1974, quando o Prelado diocesano de então retirou ao pároco (subscritor destas linhas) a jurisdição da igreja da Ribeira Seca sem justificação minimamente atendível e com a qual a população não concordou. Daí em diante, nem esse bispo nem nenhum outro visitaram aquela paróquia, nem para administrar o Crisma. Em 1977, o mesmo titular da diocese decide suspender a divinis o referido pároco em cerimónia pública realizada na matriz de Machico. A opinião publicada martelou repetidamente o cérebro dos madeirenses, permeando a notícia que o visado exercia funções políticas, mas está sobejamente provado que nem era deputado nem presidente de Câmara. Foi, isso sim, uma decisão unilateral, estritamente política, por parte do Prelado, aliado indisfarçável do governo regional.

Os seus sucessores mantiveram o mesmo libelo acusatório, sabendo que não havia qualquer fundamento jurídico-canónico, tendo até sofrido um notório desaire aquando da acção intentada no tribunal judicial de Santa Cruz, Madeira.

Chegou, alfim, o ano de 2019, altura em que o novo Prelado, revogou todo um passado, iter horribilis, restituindo a paz não só ao Povo da Ribeira Seca, mas a toda a população madeirense inconformada com uma mancha que faltava reparar, um atentado contra uma parcela do Povo de Deus sem outro crime senão o de manter a sua Fé viva no Evangelho, juntamente com o seu pastor e companheiro de viagem, o qual nunca abandonou a gente firme e solidária.

Assim, de forma simples, descritiva e modesta, para memória futura, encerro a trajectória de 600 anos compendiados nos motivos natalícios (já retirados) do palco aberto da Ribeira Seca, mas engastados para sempre nas lajes do adro e nos calhaus roliços, de uma brancura que nos toca, onde sobressai a canção de 1985:

                   Este chão é um Chão Sagrado

                   Onde cantámos Vitória      

        

         23.Jan.23

         Martins Júnior

        

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