Puxei
Fernando Pessoa, em Álvaro de Campos – talvez atrevidamente – para dizer que
hoje sou ortodoxo, sou romano, sou anglicano, sou presbiteriano, sou evangélico,
I am Mormon, Je suis , Ich lutheran… Mas não chega, porque se
sou ortodoxo, tenho de subdividir-me em russo ou ucraniano (russo, do lado do
Patriarca Kirilos e colado à guerra de Putin, ou ucraniano, contra essa guerra).
E se sou anglicano, estarei ainda ao lado de Henrique VIII ou tão-só fiel ao
culto de Westminster?... Como estamos no
mesmo teatro de guerrilha camuflada, podemos alargar os papéis e afirmar sem
pejo que hoje sou judaico, israelita ou sefardita, sou muçulmano e retalho-me entre sunita,
xiita e afins.
Em
suma, sou de todos os credos e não quero ser nada, não quero saber nada dessas
religiões institucionalizadas. Imagino que o nosso genial poeta também meteria neste
mesmo saco, o dos sonhos possíveis, o universo religioso, mas ao mesmo tempo
repudiava-os a todos.
Falta
saber o porquê deste abstruso arrazoado, a meio da semana, É porque hoje, 25 de
Janeiro, as confissões cristãs encerraram uma semana de reflexões sobre o
divisionismo que há milhares de anos mina e definha os alicerces do grande
edifício unitário conhecido por Cristianismo. É sintomático o facto de ter sido
um pastor protestante, Paul Wattson (ramo da Igreja Episcopal) que, lá desde as
Américas, incomodado e angustiado pelo
triste espectáculo de tantas igrejas e seitas cristãs, todas de costas
voltadas, propôs ao Papa de Roma um tempo histórico de oração para sarar e
fazer cicatrizar esta chaga escandalosa, aberta no coração do seu Fundador,
Jesus de Nazaré.
Sucederam-se
reuniões, colóquios, acordos, abraços e formulários de orações fraternas,
enfim, repetidas campanhas ecuménicas, não só entre as confissões cristãs, do
Ocidente ao Oriente, mas entre o Líder Supremo da Igreja Romana e os congéneres
do Judaísmo e do próprio Islão. Entretanto, os resultados são de pura cosmética
exibicionista, ficando cada qual entrincheirado no seu ideário classista e nos
seus padrões dogmático-litúrgicos.
Ressalva-se
o princípio proclamado pelo eminente teólogo do Vaticano II, Hans Kung: “Sem
paz entre as religiões, nunca haverá paz entre as nações”. Valha-nos isso, ao
menos: uma aparente coexistência pacífica nas sés catedrais dos diversos
credos. Quanto ao mais, quando chega a hora da verdade, os hierarcas de todas
as religiões não hesitam em colar-se ao poder político para fazer valer o seu próprio
Poder, o seu Império. Aí temos o já citado Patriarca Ortodoxo Kirilos, tal como
já tivemos nós na Igreja Católica Portuguesa aquando da guerra colonial. Assim
aconteceu também com a Igreja Galicana, em França e com a Igreja Luterana, sob
o proteccionismo dos príncipes germânicos.
A
este propósito, cito Tomás Halig: “A evangelização
de ‘novos mundos’ (as culturas não europeias) andou muitas vezes de mãos dadas
com a sua colonização por exploradores e conquistadores europeus. O zelo e a
dedicação dos missionários, comprometidos até ao martírio, não foram a única
face da expansão europeia. O seu lado sombrio era a ganância e a violência
saqueadora os conquistadores – o seu poder e interesses comerciais, os seus
ideais políticos”.
Hoje
como ontem, a matriz pragmática das religiões não consegue varrer-se
impunemente para debaixo dos tapetes vermelhos que ornamentam as mais seráficas
basílicas, mesquitas e sinagogas. Hoje pisam os mesmos trilhos de outrora:
poder, império, ostentação, encenação premeditada. Lamento, nesta hora, ver o
Papa Francisco – o Grande Paladino da Reconversão ao Evangelho – vê-lo agora
envolvido nesta paranoia publicitária das JMJ (não confundam com as minhas
iniciais, ah ah…) em pretender rebentar as escalas do proselitismo expansionista
e do exibicionismo teatral, aliciando milhões de jovens, sob a mantra de
católicos, mas afinal extensivas, as Jornadas, a todos os jovens do mundo, católicos
ou não, novos ou velhos.
Com
as imensas facilidades hodiernas de comunicar e tomar conhecimento da genuína
mensagem evangélica, conducente ao culto da verdadeira espiritualidade, é uma evidência constatar que as religiões
institucionalizadas não conseguem concitar a nossa vocação inata para o
Espírito, antes assemelham-se a vulgares agências de ‘markting’ religioso,
associado à contabilidade nacional, como se de uma mega-multinacional se
tratasse.
Daí,
o meu cepticismo inultrapassável perante o hipermercado dessas religiões.
Forçoso é voltar às ‘igrejas domésticas’ e aos valores humano-cristãos do
Nazareno. O resto, citando o nosso Épico, são “nomes com que se o povo néscio
engana”.
25.Jan.23
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário