quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

“NÃO SOU NADA… NÃO POSSO QUERER SER NADA… À PARTE ISSO, TENHO TODOS OS SONHOS”…

                                                                                      


Puxei Fernando Pessoa, em Álvaro de Campos – talvez atrevidamente – para dizer que hoje sou ortodoxo, sou romano, sou anglicano, sou presbiteriano, sou evangélico, I am Mormon, Je suis  , Ich lutheran… Mas não chega, porque se sou ortodoxo, tenho de subdividir-me em russo ou ucraniano (russo, do lado do Patriarca Kirilos e colado à guerra de Putin, ou ucraniano, contra essa guerra). E se sou anglicano, estarei ainda ao lado de Henrique VIII ou tão-só fiel ao culto de  Westminster?... Como estamos no mesmo teatro de guerrilha camuflada, podemos alargar os papéis e afirmar sem pejo que hoje sou judaico, israelita ou sefardita,  sou muçulmano e retalho-me entre sunita, xiita e afins.

Em suma, sou de todos os credos e não quero ser nada, não quero saber nada dessas religiões institucionalizadas. Imagino que o nosso genial poeta também meteria neste mesmo saco, o dos sonhos possíveis, o universo religioso, mas ao mesmo tempo repudiava-os a todos.

Falta saber o porquê deste abstruso arrazoado, a meio da semana, É porque hoje, 25 de Janeiro, as confissões cristãs encerraram uma semana de reflexões sobre o divisionismo que há milhares de anos mina e definha os alicerces do grande edifício unitário conhecido por Cristianismo. É sintomático o facto de ter sido um pastor protestante, Paul Wattson (ramo da Igreja Episcopal) que, lá desde as Américas,  incomodado e angustiado pelo triste espectáculo de tantas igrejas e seitas cristãs, todas de costas voltadas, propôs ao Papa de Roma um tempo histórico de oração para sarar e fazer cicatrizar esta chaga escandalosa, aberta no coração do seu Fundador, Jesus de Nazaré.

Sucederam-se reuniões, colóquios, acordos, abraços e formulários de orações fraternas, enfim, repetidas campanhas ecuménicas, não só entre as confissões cristãs, do Ocidente ao Oriente, mas entre o Líder Supremo da Igreja Romana e os congéneres do Judaísmo e do próprio Islão. Entretanto, os resultados são de pura cosmética exibicionista, ficando cada qual entrincheirado no seu ideário classista e nos seus padrões dogmático-litúrgicos.

Ressalva-se o princípio proclamado pelo eminente teólogo do Vaticano II, Hans Kung: “Sem paz entre as religiões, nunca haverá paz entre as nações”. Valha-nos isso, ao menos: uma aparente coexistência pacífica nas sés catedrais dos diversos credos. Quanto ao mais, quando chega a hora da verdade, os hierarcas de todas as religiões não hesitam em colar-se ao poder político para fazer valer o seu próprio Poder, o seu Império. Aí temos o já citado Patriarca Ortodoxo Kirilos, tal como já tivemos nós na Igreja Católica Portuguesa aquando da guerra colonial. Assim aconteceu também com a Igreja Galicana, em França e com a Igreja Luterana, sob o proteccionismo dos príncipes germânicos.

A este propósito, cito Tomás Halig:  “A evangelização de ‘novos mundos’ (as culturas não europeias) andou muitas vezes de mãos dadas com a sua colonização por exploradores e conquistadores europeus. O zelo e a dedicação dos missionários, comprometidos até ao martírio, não foram a única face da expansão europeia. O seu lado sombrio era a ganância e a violência saqueadora os conquistadores – o seu poder e interesses comerciais, os seus ideais políticos”.

Hoje como ontem, a matriz pragmática das religiões não consegue varrer-se impunemente para debaixo dos tapetes vermelhos que ornamentam as mais seráficas basílicas, mesquitas e sinagogas. Hoje pisam os mesmos trilhos de outrora: poder, império, ostentação, encenação premeditada. Lamento, nesta hora, ver o Papa Francisco – o Grande Paladino da Reconversão ao Evangelho – vê-lo agora envolvido nesta paranoia publicitária das JMJ (não confundam com as minhas iniciais, ah ah…) em pretender rebentar as escalas do proselitismo expansionista e do exibicionismo teatral, aliciando milhões de jovens, sob a mantra de católicos, mas afinal extensivas, as Jornadas, a todos os jovens do mundo, católicos ou não, novos ou velhos.

Com as imensas facilidades hodiernas de comunicar e tomar conhecimento da genuína mensagem evangélica, conducente ao culto da verdadeira espiritualidade,  é uma evidência constatar que as religiões institucionalizadas não conseguem concitar a nossa vocação inata para o Espírito, antes assemelham-se a vulgares agências de ‘markting’ religioso, associado à contabilidade nacional, como se de uma mega-multinacional se tratasse.

Daí, o meu cepticismo inultrapassável perante o hipermercado dessas religiões. Forçoso é voltar às ‘igrejas domésticas’ e aos valores humano-cristãos do Nazareno. O resto, citando o nosso Épico, são “nomes com que se o povo néscio engana”.

 

25.Jan.23

Martins Júnior

     

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