Sobrevoemos
a ponte movediça da sexta-feira, dia treze – “essa fatídica sexta-feira”, como
a classificava Frei Dinis, das Viagens na Minha Terra, de Almeida
Garrett, obedecendo aos cânones do Romantismo restaurador das lendas e
superstições medievais. Sobrevoando a ponte pomos pé, de novo, no pequeno vale
da Ribeira Seca, onde o presépio de 2022/2023 reproduz os tempos fortes do seu
historial.
O capítulo anterior – o primeiro, O MENINO DO TINTUREIRO ENTRE OS ESCRAVOS DO
AÇÚCAR - abarcou genericamente os
aspectos sociológicos, económicos e sacro-culturais da Primeira Capitania do
Reino, Machico, Ribeira Seca inclusive, num período que vai desde 1419 até
1692, com maior incidência na data fundacional do “8 de Maio de 1440”, como
ficou demonstrado.
O
MENINO NA CASA DO SENHORIO
O
Senhorio chamava-se Francisco Dias Franco, capitão-secretário da Câmara
Municipal de Machico. O seu nome fica indelevelmente perpetuado no território
da Ribeira Seca por ter sido o criador do ‘proto-monumento arquitectónico’
construído nesta localidade, a Capela de
Nossa Senhora do Amparo, em 1692. Ali começou, portanto, o culto oficial,
hierarquicamente reconhecido, prestado pelo clero adstrito à matriz de Machico,
ao bom estilo dos morgadios sediados em toda a Ilha, como é exemplo, entre
outros, o Solar de São Cristóvão, em Machico.
Para aquilatar-se cabalmente do
subtítulo-supra e das gritantes assimetrias sociais que dividiam o campesinato
e a burguesia - caseiros ou colonos e
senhorios – fixemos o amplo estatuto hegemónico de Francisco Dias Franco:
latifundiário, rico (construiu, também a expensas suas, em 1706, o Forte de Nossa Senhora do Amparo, na
Vila de Machico) e, acima de tudo, detentor do poder, enquanto militar e
executivo operacional do Município. Foi neste ‘caldo’ conjuntural que se
queimou a justíssima Lei das Sesmarias (as
terras eram dadas pelo Rei a quem e só enquanto as trabalhasse) e engendrou-se
o “leonino contrato da colonia” que durou até 1974. O colono assumia a condição
de escravo da terra, com requintes de humilhante exploração de toda a família.
É neste berço que nasce o Menino. Na
casa do Senhorio.
Na
tribuna contígua ao solar da residência lá estava o explorador e seus distintos
familiares, olhando sobranceiros para a turba curvada dos caseiros-servos da
gleba, que no chão térreo da capela cantavam ‘Bendito, Bendito’ ao Deus Menino
de olhos azuis e rezavam descalços e de joelhos agradecidos ao “senhor-amo”,
com o celebrante a ajudar os pobres camponeses a beijar os pés que os
espezinhavam. Gloria in excelsis!
Quem
subscreve o presente testemunho é o próprio que presenciou os factos há cerca
de 75 anos quando, ainda criança, era solicitado pelos celebrantes da matriz a
acompanhá-los a ‘ajudar à missa’ na Capela do Amparo.
Assim
foram os Natais entre 1692 e 1960/1963, data em que a população começou a
construir a Casa própria para o Menino, como descreverei em próximo texto e os
residentes fixaram mais tarde no
Cancioneiro da sua história:
Na Capela do Amparo
Foi lá que a paróquia abriu
Mas ela não era nossa
Pertencia ao senhorio.
N.B.
– À margem da narrativa, mas de um certo sabor à ironia dos tempos, permitam-me
informar que a capela e solar, pertença do antigo capitão-secretário Francisco
Dias Franco, foram recentemente adquiridos pelo emigrante da Ribeira Seca,
antigo caseiro, coincidentemente de sobrenome Franco.
“Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades”…
13.Jan.23
Martins Júnior
Uma pequena correção. A colonia acabou, oficialmente em 1977, atrvés de Decreto Legislativo da Assembleia Regional, então com séde no Salão Nobre da Antiga Junta Geral. Em Maio de 1974 foi feita primeira reunião sobre a colonia, numa escola anexa à Igreja da Ribeira Seca em que participamos nós e alguns caseiros, numa noite extremamente chuvosa.....
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