Ainda
bem que , lá de bem longe, desde a baía de Sidney, ergueu-se a bandeira da
portugalidade entrelaçada à nossa insularidade na festividade anual organizada
pelo Portugal-Madeira Club. Sublinho “Ainda bem”, pois permite-me sair
deste poço da morte em que nunca cessam os fogos cruzados de toda a espécie,
desde os palcos da guerra até aos altares-de-palco.
“Ainda bem”, repito agora, alto e bom
som, porque a notícia fez-me reviver o último sábado de Janeiro/1986 . já lá
vão 37 anos! Foi um deslumbramento puro e singelo, porque nativo, digno de uma
’Aguarela’ de Cesário Verde. Após alguns dias de ensaio na garagem do Why not /alcunha do Manuel Freitas) a
romagem saiu à rua, numa das avenidas de Marrickville, rumo ao larguíssimo
recinto da festa.
Quando digo “romagem”, refiro-me
exactamente ao figurino popular das nossas romarias em Machico e,
genericamente, na Madeira, em que o povo e a terra são os protagonistas da
festa, autores e actores, músicos, dançarinos e bailarinas. Assim aconteceu em
Sidney/1986: a nossa trupe de madeirenses, na grande maioria, de Machico, fazia
parar os transeuntes e as viaturas, curiosos por ver aquelas cores garridas,
ondulando na avenida. Eram jovens, eram adultos e até idosos, mas sobretudo as
adolescentes e as crianças saltitavam em volteios graciosos, ao ritmo das vozes,
dos tambores e das violas, com o acordeão a acompanhar o brilho do sol daquela
manhã de Janeiro. Na altura, ocorreu-me o cenário descrito na Banda de Chico Buarco de Holanda, enquanto a nossa trupe ia soltando
desinibida e feliz: Chegou a nossa festa,
chegou o nosso dia, a gente da Madeira, saiu em romaria.
Entrando
no Quartel, começou o “concerto” em
pleno palco artisticamente decorado à moda regional. Mas… o que era o Quartel?... Era um enorme espaço de
estádio de futebol, desactivado, mas aberto a todas as etnias radicadas em
Sidney. Cada comunidade estrangeira (e eram muitas e diversificadas) gregas,
italianas, britânicas, timorenses, etc., tinham o direito de usar o mesmo
recinto em datas previamente requisitadas, numa harmonia perfeita – um outro
‘concerto multicultural e plurirracial’’. A este propósito, impressionou-me
vivamente o facto de, no elenco ministerial, estar consagrado um Departamento Anti-Descrimination, para obviar aos
conflitos raciais, caso surgissem queixas fundamentadas.
Voltando ao chamado Quartel, após a exibição do grupo
madeirense e dos restantes artistas, sucederam-se os discursos oficiais (nesse
ano, não estiveram as habituais figuras de proa da política regional, apenas usou
da palavra o representante, aí residente, da comunidade madeirense) seguindo-se
o típico arraial muito nosso, com todos os petiscos e adereços, sendo o
principal e mais amistoso o convívio fraterno entre filhos da mesma pátria e
irmãos da mesma Ilha.
Permitam-me
uma revelação, a um tempo pitoresca e muito séria também. No final da Festa, já
noite, fiquei a olhar, surpreendido, dois homens corpulentos, quase gigantes, uniformizados
a preceito de farda e calção tipo-escuteiro, colocados um de cada lado no
portão de saída: eram dois elementos da Polícia Rodoviária, ali notoriamente
posicionados, sorridentes, mas lendo-se no seu semblante um aviso prévio: “Se
bebeu, não conduza”. Foi então que
também notei que, na sua maioria, as viaturas eram conduzidas por mulheres
(esposa ou filha do respectivo titular) como quem entendeu a mensagem preventiva
dos ‘simpáticos’ homens fardados.
Volvidos
37 anos sobre o honroso e prestimoso convite feito pelos emigrantes
machiquenses radicados na Austrália, aproveito para saudar o Dia de Portugal Madeira Club, (actualmente
festejado em sede própria) e desejar os melhores sucessos aos seus corpos
gerentes, aos seus associados e a todos os madeirenses que vivem nessa mítica e
inspiradora Mega-Ilha. Um abraço de gratidão a esses meus conterrâneos que me
dispensaram o melhor que se pode oferecer a um visitante: o José Manuel Gois, o
Miranda, os Irmãos Teixeira, o Salvador e respetivas famílias, uma saudade
inesquecível ao super-Peter Freitas, Representante das Comunidades Portuguesas,
que já nos deixou.
Não
posso deixar passar este momento de fruição histórico-cultural sem sentir sob
os meus pés o agridoce do ‘chão’ da Ponte de Sidney que atravessei com o
alvoroço de quem descobre um mundo novo e se sente embalado nas ogivas aladas
do edifício da Ópera, águia gigante serenamente pousada na baia azul.
27.Jan.23
Martins Júnior
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