sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

«PORTUGAL-MADEIRA-CLUBE»:UMA SAUDAÇÃO DE 37 ANOS!

                                                                         


Ainda bem que , lá de bem longe, desde a baía de Sidney, ergueu-se a bandeira da portugalidade entrelaçada à nossa insularidade na festividade anual organizada pelo Portugal-Madeira Club.  Sublinho “Ainda bem”, pois permite-me sair deste poço da morte em que nunca cessam os fogos cruzados de toda a espécie, desde os palcos da guerra até aos altares-de-palco.

         “Ainda bem”, repito agora, alto e bom som, porque a notícia fez-me reviver o último sábado de Janeiro/1986 . já lá vão 37 anos! Foi um deslumbramento puro e singelo, porque nativo, digno de uma ’Aguarela’ de Cesário Verde. Após alguns dias de ensaio na garagem do Why not /alcunha do Manuel Freitas) a romagem saiu à rua, numa das avenidas de Marrickville, rumo ao larguíssimo recinto da festa.   

         Quando digo “romagem”, refiro-me exactamente ao figurino popular das nossas romarias em Machico e, genericamente, na Madeira, em que o povo e a terra são os protagonistas da festa, autores e actores, músicos, dançarinos e bailarinas. Assim aconteceu em Sidney/1986: a nossa trupe de madeirenses, na grande maioria, de Machico, fazia parar os transeuntes e as viaturas, curiosos por ver aquelas cores garridas, ondulando na avenida. Eram jovens, eram adultos e até idosos, mas sobretudo as adolescentes e as crianças saltitavam em volteios graciosos, ao ritmo das vozes, dos tambores e das violas, com o acordeão a acompanhar o brilho do sol daquela manhã de Janeiro. Na altura, ocorreu-me o cenário descrito na Banda de Chico Buarco de Holanda,   enquanto a nossa trupe ia soltando desinibida e feliz: Chegou a nossa festa, chegou o nosso dia, a gente da Madeira, saiu em romaria.

         Entrando no Quartel, começou o “concerto” em pleno palco artisticamente decorado à moda regional. Mas… o que era o Quartel?... Era um enorme espaço de estádio de futebol, desactivado, mas aberto a todas as etnias radicadas em Sidney. Cada comunidade estrangeira (e eram muitas e diversificadas) gregas, italianas, britânicas, timorenses, etc., tinham o direito de usar o mesmo recinto em datas previamente requisitadas, numa harmonia perfeita – um outro ‘concerto multicultural e plurirracial’’. A este propósito, impressionou-me vivamente o facto de, no elenco ministerial, estar consagrado um Departamento Anti-Descrimination, para obviar aos conflitos raciais, caso surgissem queixas fundamentadas.

         Voltando ao chamado Quartel, após a exibição do grupo madeirense e dos restantes artistas, sucederam-se os discursos oficiais (nesse ano, não estiveram as habituais figuras de proa da política regional, apenas usou da palavra o representante, aí residente, da comunidade madeirense) seguindo-se o típico arraial muito nosso, com todos os petiscos e adereços, sendo o principal e mais amistoso o convívio fraterno entre filhos da mesma pátria e irmãos da mesma Ilha.

Permitam-me uma revelação, a um tempo pitoresca e muito séria também. No final da Festa, já noite, fiquei a olhar, surpreendido, dois homens corpulentos, quase gigantes, uniformizados a preceito de farda e calção tipo-escuteiro, colocados um de cada lado no portão de saída: eram dois elementos da Polícia Rodoviária, ali notoriamente posicionados, sorridentes, mas lendo-se no seu semblante um aviso prévio: “Se bebeu, não conduza”.  Foi então que também notei que, na sua maioria, as viaturas eram conduzidas por mulheres (esposa ou filha do respectivo titular) como quem entendeu a mensagem preventiva dos ‘simpáticos’ homens fardados.

Volvidos 37 anos sobre o honroso e prestimoso convite feito pelos emigrantes machiquenses radicados na Austrália, aproveito para saudar o Dia de Portugal Madeira Club, (actualmente festejado em sede própria) e desejar os melhores sucessos aos seus corpos gerentes, aos seus associados e a todos os madeirenses que vivem nessa mítica e inspiradora Mega-Ilha. Um abraço de gratidão a esses meus conterrâneos que me dispensaram o melhor que se pode oferecer a um visitante: o José Manuel Gois, o Miranda, os Irmãos Teixeira, o Salvador e respetivas famílias, uma saudade inesquecível ao super-Peter Freitas, Representante das Comunidades Portuguesas, que já nos deixou.

Não posso deixar passar este momento de fruição histórico-cultural sem sentir sob os meus pés o agridoce do ‘chão’ da Ponte de Sidney que atravessei com o alvoroço de quem descobre um mundo novo e se sente embalado nas ogivas aladas do edifício da Ópera, águia gigante serenamente pousada na baia azul.

 

27.Jan.23

Martins Júnior          

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