sábado, 21 de janeiro de 2023

                                                                   


Para quem não conhece as nossas tradições, eu abro as folhas já puídas do Natal e Ano Novo do leste da Ilha - puídas as folhas, mas não a alma delas – pois que em Santa Cruz, da Madeira, a ‘Festa’ termina em 15 de Janeiro, Dia do Santo Amaro, Orago da Freguesia e, coincidentemente, Dia Oficial do Município.

Mas a criatividade dos ilhéus puxados para o extremo oriental da Pérola do Atlântico não tem limites e ‘decretou’ que o epílogo dos acordes natalícios teria de coincidir com o Dia de São Sebastião, Padroeiro da Vila do Caniçal, 20 de Janeiro, estendendo-se por todo o fim-de-semana, sábado,21 e domingo, 22.

E cá estamos nós, vizinhos do Caniçal, acompanhando o rufar dos tambores, o saltitar dos chocalhos e o agitar das vassouras para varrer os armários . E não só. Sobretudo para coroar o pequeno monumento do PRESÉPIO PÚBLICO com as joias de um percurso de 600 anos habitados pela população da Ribeira Seca e já sucintamente narrados em blogs anteriores.

O CARRILHÃO DA NOSSA TORRE – “SINO CORAÇÃO DA ALDEIA, CORAÇÃO SINO DA GENTE” – 1999

 

CASTIGO SEM CRIME E ABSOLVIÇÃO SEM PROCESSO – UM PASSEIO FORÇADO DE 42 ANOS, SUSPENSO ENTRE AS GALÁXIAS DO ESPANTO,  DA DESCRENÇA E DA MADUREZA NA FÉ – de 1977 A 2019

Joias da coroa – assim qualifiquei os dois acontecimentos que estão gravados no adro em genuínos calhaus brancos da Ilha e reconfigurados no vértice do palco aberto da Ribeira Seca. Joias, sim, mas descartadas da grande informação regional. Joias, sim e preciosas, coladas ao coração das gentes que sofreram, lutaram, condenadas a engolir monstros sacro-satânicos da religião e da política! Alegrias íntimas, quase silenciosas para os viventes e saudades longas para aqueles que levaram até à sepultura os soluços sentidos e maiores que eles as esperanças numa vitória que não chegaram a ver os olhos do corpo, mas deixaram-nas como herança aos descendentes vindouros!

Perdoe-me quem me lê até este instante. Mas o teclado escapa-se-me dos dedos ao tentar dizer e identificar o brilho dos factos que quero contar. E paro, absorto, como quem ‘puxou para trás’ um filme já vivido, mas nunca visto até ao dia de hoje.

 Ocorre-me um pensamento da juventude, atribuído a Lacordaire, o eloquente  orador do púlpito de Notre Dâme de Paris: “Uma dor, quando é grande, dá-nos para gritar. Mas quando é muito grande, quando ela é enorme, dá-nos para silenciar”. Pois bem, o vocábulo ‘dor’ (ou desgosto) neste momento substituo-o pelo seu antónimo ‘prazer’ (gosto. alegria, conforto) – quando ele é grande apetece-nos cantar aos quatro ventos.  Mas quando é enorme, dá-nos para calar e sentir”.´

Hoje, parei, porque estou neste segundo tempo emocional. Amanhã, retomarei o contexto. Porque faz parte de uma pequena-grande história, a nossa. E também porque me entra na alma “e fica em mim presa” a voz centenária de Eugénio de Andrade:

 

“É urgente

Descobrir rosas e rios

E manhãs claras…”   


 21.Jan.23

Martins Júnior

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