Árida e dura era a terra de colonia, os
montes embora verdes chamavam-lhes tristes e a ribeira a que nunca faltou água corrente
disseram que era seca.
Séculos
cinco, quase seis! Mas dentro dela, a terra seca, corria a alma de um Povo que,
em vez de água, tinha nas veias sangue de pais e avós, sedentos de ver a
alvorada em que na fímbria dos montes e no chão do vale braçados de cravos,
orquídeas, estrelícias brilhariam viçosos como prenúncio de um mundo novo, de
uma terra fértil, libertada.
Essa
manhã chegou, enfim, em Abril de 1974. E cumpriram-se então os vaticínios
latentes nas pregas da história destas gentes. Se enorme e dura foi a
escravidão da colonia, maior e eufórica abriu-se a vitória dos ‘humilhados e
ofendidos’ sobre o regime que os torturou durante séculos.
A
Ribeira, antes Seca, tornou-se maré cheia de esperanças e certezas. A começar
pela abolição da colonia. Embora tal acontecesse de jure, a partir de 1977, a verdade é que o poderio dos senhorios
morreu de facto logo na madrugada de
25 de Abril de 74, com a decisão unânime dos ‘caseiros’ em melhorar as casas de
colmo onde habitavam famílias inteiras sem as mínimas condições de salubridade.
O verde da paisagem revivesceu com as cores brancas e os telhados vermelhos das
novas habitações. Os velhos camponeses recuperaram instintivamente o sentido originário da Lei das Sesmarias, enriquecendo-a com a tonalidade inspirada na sua
Fé: A terra é de Deus e o fruto é de quem
a trabalha!
Não
ficou por aí a libertação do campesinato, não só em Machico, mas em todas as
zonas rurais da Ilha. Viu-se notoriamente a intervenção popular nas
instituições musculadas do chamado ‘Estado Novo’, nomeadamente nos titulares
dos cargos municipais, posteriormente saneados pelas novos centros de decisão
regionais. As reivindicações sociais, sobretudo a nível de justiça laboral e
distributiva, foram decisivas no pagamento justo da cana sacarina e da banana,
até então entregues aos industriais do sector, sem a menor vigilância dos produtores,
que recebiam o quanto e o quando lhes queriam dar.
A
própria Igreja foi posta em questão, visto que a autoridade diocesana tomou
partido, ostensivamente, pelos inimigos do novo regime, que teimavam em
restaurar as forças totalitárias apeadas na manhã de 25 de Abril. Já se pode tomar um fôlego! – exclamava
um velho aldeão, estivador reformado, abrindo os braços e a voz, sem medo, diante da multidão.
Foi
neste berço iluminado e liberto que a Ribeira Seca viveu o seu Natal – a Festa
- como nunca antes tinha vivido. Os cravos vermelhos encheram o Presépio. E nas
mãos do Menino apareceu o Cravo Maior que arrastou consigo todos os crentes,
cantando as loas tradicionais ao ‘Infante de Belém’, os versos e os acordes de
pais e avós, mas com um sublinhado especial adequado ao momento:
EM TERRA SECA,
NASCE O MAIS LINDO CRAVO
DO MUNDO!
Por essa razão, de luz inapagável, o adro do
templo feito pelo Povo registou em pedra viva e para memória futura a gloriosa
bandeira de 1974, transplantando-a para o Grande Presépio 2022/2023 no palco
aberto da Ribeira Seca.
(Continua)
17.Jan.23
Martins
Júnior
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