terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O MAIS LINDO CRAVO EM TERRA SECA !

                                                                           


 

         Árida e dura era a terra de colonia, os montes embora verdes chamavam-lhes tristes e a ribeira a que nunca faltou água corrente disseram que era seca.

Séculos cinco, quase seis! Mas dentro dela, a terra seca, corria a alma de um Povo que, em vez de água, tinha nas veias sangue de pais e avós, sedentos de ver a alvorada em que na fímbria dos montes e no chão do vale braçados de cravos, orquídeas, estrelícias brilhariam viçosos como prenúncio de um mundo novo, de uma terra fértil, libertada.

Essa manhã chegou, enfim, em Abril de 1974. E cumpriram-se então os vaticínios latentes nas pregas da história destas gentes. Se enorme e dura foi a escravidão da colonia, maior e eufórica abriu-se a vitória dos ‘humilhados e ofendidos’ sobre o regime que os torturou durante séculos.

A Ribeira, antes Seca, tornou-se maré cheia de esperanças e certezas. A começar pela abolição da colonia. Embora tal acontecesse de jure, a partir de 1977, a verdade é que o poderio dos senhorios morreu de facto logo na madrugada de 25 de Abril de 74, com a decisão unânime dos ‘caseiros’ em melhorar as casas de colmo onde habitavam famílias inteiras sem as mínimas condições de salubridade. O verde da paisagem revivesceu com as cores brancas e os telhados vermelhos das novas habitações. Os velhos camponeses recuperaram instintivamente  o sentido originário da Lei das Sesmarias, enriquecendo-a com a tonalidade inspirada na sua Fé: A terra é de Deus e o fruto é de quem a trabalha!

     Não ficou por aí a libertação do campesinato, não só em Machico, mas em todas as zonas rurais da Ilha. Viu-se notoriamente a intervenção popular nas instituições musculadas do chamado ‘Estado Novo’, nomeadamente nos titulares dos cargos municipais, posteriormente saneados pelas novos centros de decisão regionais. As reivindicações sociais, sobretudo a nível de justiça laboral e distributiva, foram decisivas no pagamento justo da cana sacarina e da banana, até então entregues aos industriais do sector, sem a menor vigilância dos produtores, que recebiam o quanto e o quando lhes queriam dar.

A própria Igreja foi posta em questão, visto que a autoridade diocesana tomou partido, ostensivamente, pelos inimigos do novo regime, que teimavam em restaurar as forças totalitárias apeadas na manhã de 25 de Abril. Já se pode tomar um fôlego! – exclamava um velho aldeão, estivador reformado, abrindo os braços e a voz, sem medo,  diante da multidão.

Foi neste berço iluminado e liberto que a Ribeira Seca viveu o seu Natal – a Festa - como nunca antes tinha vivido. Os cravos vermelhos encheram o Presépio. E nas mãos do Menino apareceu o Cravo Maior que arrastou consigo todos os crentes, cantando as loas tradicionais ao ‘Infante de Belém’, os versos e os acordes de pais e avós, mas com um sublinhado especial adequado ao momento:

EM TERRA SECA,

NASCE O MAIS LINDO CRAVO DO MUNDO!

 Por essa razão, de luz inapagável, o adro do templo feito pelo Povo registou em pedra viva e para memória futura a gloriosa bandeira de 1974, transplantando-a para o Grande Presépio 2022/2023 no palco aberto da Ribeira Seca.

                                                               (Continua)   

17.Jan.23

Martins Júnior  

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